sábado, julho 14, 2012

Notas Históricas - A Tuna em Portugal - II

A Tuna em Portugal - II - Notas brevíssimas sobre a cultura universitária em Portugal



Texto originalmente escrito e dirigido ao público sul-americano (por isso muito abreviado e simplificado).


Os anos de 1960 e 1970 vão assistir ao lento declínio e extinção das tunas populares tanto nos meios urbanos como rurais.

De entre os vários factores que poderíamos apontar, destacam-se:

- nos meios urbanos, a progressiva “invasão” da cultura “pop”, levando a um progressivo desinteresse por manifestações culturais tradicionais - ou entendidas como tal;
- a Guerra Colonial, devido ao desenraizamento maciço de largos contingentes de população;
- o surto de emigração, sobretudo para França, quer por razões económicas quer políticas.

A massa humana que alimentava estes agrupamentos fica, assim, substancialmente reduzida. 
Compreensivelmente, o ambiente também não seria o mais receptivo a festejos.

A nível estudantil, poderíamos apontar o luto académico de 1969 (1971, no Porto), com a interrupção de todas as manifestações estudantis - quer as tradicionais, como as queimas das fitas ou o uso do traje académico, quer as estritamente artísticas e/ou culturais, como orfeões, tunas, secções dramáticas ou equipas desportivas.

O ambiente fortemente politizado que se seguiu à Revolução de 25 de Abril de 1974 contribuiu de forma ainda mais decisiva para a ruptura com um passado que passou a ser considerado “fascista”.

A massificação do ensino superior



O processo de descolonização fez regressar abruptamente ao território de Portugal continental um vastíssimo contingente de população que se havia radicado nas ex-colónias.

A taxa de natalidade explode. Os governos têm de dar resposta às necessidades de aumento das qualificações que derivam quer da situação interna quer dos compromissos internacionais assumidos com a adesão à CEE (hoje UE), o que vai dar origem à proliferação de universidades, institutos e escolas superiores que se verificaram nas décadas seguintes.

No espaço de uma década, em Portugal passa-se de um punhado de universidades e pouco mais de uma dezena de institutos para quase duas dezenas de universidades e perto de uma centena de institutos e escolas superiores.

Todos estes pólos estudantis vão procurar captar novos estudantes e incentivar a permanência e o sentido de pertença às novas instituições.

Identidade e integração

 

a) Criação de uma identidade


Ainda sem prestígio científico e académico, as novas universidades vão apressar-se a acarinhar (e agradecer!) todas as formas de integração e identificação dos alunos com as respectivas instituições.
Foi com este intuito que surgiram os diferentes trajes académicos. Procurava-se, então, uma diferenciação a todo o custo relativamente às Universidades “clássicas”, sobretudo as de Coimbra e Porto, que envergavam a tradicional capa e batina. Esta atitude foi também encorajada por uma certa corrente de opinião surgida em Coimbra e que defendia que a capa e batina era um traje exclusivo daquela universidade, e que o seu uso fora do ambiente coimbrão constituiria uma usurpação. Encorajavam, por isso, a que os estudantes de outras universidades construíssem a sua identidade tendo como elemento aglutinador um traje próprio, criado de raiz.

Estes dois factores - necessidade de afirmação e instigação exterior - estiveram, assim, na origem da profusão de trajes académicos actualmente existentes.

 


b) Integração



A principal forma de integração na universidade portuguesa foi desde sempre o conjunto de tradições, usos e costumes a que genericamente se dá o nome de “praxe”.

A praxe consiste, de uma forma muito resumida, no conjunto de “direitos” e “deveres” que regulamenta as relações hierárquicas entre os estudantes, entre estes e a comunidade onde se inserem, e a estrutura e natureza de certos rituais e festividades próprias da comunidade académica.

A forma de usar o traje em diferentes situações (serenatas, aulas, missa, luto), os castigos a infligir aos caloiros e a forma como se podem proteger ou ser protegidos desses castigos, a estrutura das semanas académicas, as fórmulas de abertura ou encerramento das cerimónias estudantis são “praxe”.

A praxe foi, assim, a mais rápida, a melhor - e a mais barata... - forma de integração informal nas novas universidades.

Naturalmente, surgem também equipas desportivas, grupos corais e dramáticos e... tunas.

Devido às suas características, as tunas foram os agrupamentos que mais fortemente apelaram à juventude irreverente, irrequieta e sedenta de dar livre expansão à sua veia romântica e boémia.

A proliferação de tunas nas décadas de 1980 e 1990 é, assim, resultado directo do fenómeno de massificação e descentralização do ensino superior.

Mas não só. O mesmo fenómeno de criação exponencial de tunas vai verificar-se nas universidades clássicas de Lisboa, Coimbra e Porto, em paralelo com a da reintrodução/recuperação das tradições académicas, proscritas, como vimos, por serem falsamente conotadas com a ditadura salazarista.

O processo de reintrodução das tradições académicas nas grandes universidades clássicas parte da iniciativa de grupos restritos de estudantes a nível de cada faculdade. A iniciativa da fundação de tunas neste período vai partir quase sempre destes grupos, razão pela qual os intervenientes no processo de recuperação da praxe vão ser os mesmos.

Esta sobreposição de pessoas e até certo ponto de competências está na base da lamentável - e desnecessária, e infundada - confusão que actualmente se tem feito entre tunas e praxe.



Na Parte III abordaremos as características das tunas: trajes, instrumentos, formação, repertório.

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