domingo, julho 15, 2012

Notas Históricas - A Tuna em Portugal - III

A Tuna em Portugal III – A Tuna na actualidade: traje, composição e postura, instrumentos, repertório e tradições






O terceiro - e último - artigo, que faz parte deste conjunto expositivo destinado a explicar muito resumidamente o fenómeno das tunas em Portugal aos nossos congéneres sul-americanos. Muitíssimo fica naturalmente por dizer...





Traje


Em Espanha e nos países latino-americanos, as tunas usam o traje herdado dasestudiantinas de finais do século XIX e popularizado pela Estudiantina Española de 1870 e, sobretudo, pela Estudiantina Fígaro. O actual traje de tuna espanhol, conhecido na gíria como “pájaro”, “grillo” ou “cuervo”, consiste em gibão e calções de veludo, meias, sapatos e capa todos de cor preta.

Em meados da década de 1940, e por influência do S.E.U. (Sindicato Español Universitário) surge a “beca”.

Em Portugal não existe este conceito de “traje de tuna”. Os tunos usam o traje académico da universidade/instituição a que a tuna pertence. No entanto, como vimos na Parte II, os trajes variam (ou podem variar) de cidade para cidade, e de universidade para universidade. Chega até mesmo a haver cidades onde há mais do que uma universidade, cada uma com um traje diferente.

Assim, podemos ter tunas em que:

a) os tunos pertencem todos à mesma instituição

b) os tunos pertencem a instituições diferentes

Se os tunos pertencem todos à mesma instituição, usam todos o mesmo traje académico.
Porém, há casos em que os tunos pertencem a instituições diferentes, o que deu origem a diferentes soluções:

a) cada tuno continua a usar o traje da sua instituição, havendo trajes diferentes dentro da mesma tuna;

b) os tunos criaram um traje específico para a tuna – regra geral inspirado no traje de tuna espanhol, mas com adaptações ;

c) os tunos optaram por adoptar o traje de tuna espanhol.


Composição e postura


As tunas portuguesas são na sua maioria agrupamentos masculinos. No entanto, há tunas de formação exclusivamente feminina. Existem igualmente agrupamentos mistos, embora em muito menor quantidade.

As tunas apresentam-se em palco de pé, muito embora a tradição portuguesa autorize a que possam actuar sentadas.


Instrumentos


As tunas portuguesas usam essencialmente instrumentos de plectro da família dos bandolins (bandolim, bandola, bandoloncelo), guitarras e contabaixo, aos quais se juntam acordeões, violinos e flauta transversal, além de outros cordofones de origem popular, como o cavaquinho (avô de instrumentos como timple canário, o cuatro venezuelano, o charango ou o ukulele) e a viola braguesa. A percussão é composta por pandeiretas e bombo-tenor; bongós, congas, maracas e outra percussão ligeira podem também completar a secção rítmica.

A pandeireta é normalmente bailada em grupo, podendo chegar a 6 ou 7 elementos.


Repertório


Não existe em Portugal o conceito de “música de tuna”. Os clássicos de tuna espanhola (Fonseca, Calles sin Rumbo, Morena de mí Copla, etc.) raramente são interpretados.

Praticamente todas as tunas têm um original que consideram ser o seu “hino”. Este “hino” é geralmente em tempo de marcha (2/4) e faz alusão à vida boémia do estudante, gabando os dotes etílicos da tuna.

O repertório é extremamente diversificado, indo da música popular portuguesa à música erudita.

Há essencialmente duas correntes de opinião:

- uma “corrente exclusivista” que sustenta que as tunas são agrupamentos populares/tradicionais e que só devem tocar temas portugueses, de preferência originais, inspirados nas formas musicais tradicionais portuguesas, e cantados em português de Portugal; recusam a música erudita e não apresentam temas instrumentais [concepção errónea, diga-se];

- uma “corrente inclusivista” que defende que as tunas são agrupamentos musicais e que podem, por isso, interpretar todo o tipo de música, independentemente da sua origem [aqui também há abusos de interpretação, pois nem tudo vale], embora privilegiem o português; o repertório abrange a esfera cultural ibero-americana e interpretam peças instrumentais eruditas.


Tradições



Como vimos, na década de 80, o conceito de tuna havia praticamente desaparecido. Da primeira grande vaga de tunas (finais do séc. XIX), haviam sobrado apenas três no meio estudantil:

- Tuna Académica da Universidade de Coimbra (TAUC);

- Tuna Académica do Liceu de Évora (TALE) e

- Tuna Universitária do Porto (TUP).

Todas mantinham a postura orquestral (sentados, com maestro) e executavam um repertório essencialmente musical (em especial a TAUC e a TALE). A TUP actuava exclusivamente nos espectáculos do OUP,  Orfeão Universitário do Porto).

Havia muito pouco contacto com tunas espanholas e as participações em festivais em Espanha era muito esporádica.

Em 1983, surge a Tuna Académica da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), inspirada nas tunas populares da região.

Em 1984-85, a TUP é reactivada, mas a sua actividade limita-se aos espectáculos do OUP.
Em 1985, surge a Estudantina Universitária de Coimbra. Ao contrário da TAUC, esta apresenta-se de pé e com uma actividade mais centrada na rua, em grande medida por infuência da atitude mais “callejera” das tunas espanholas, preservando a identidade e o sentir popular português.

Em 1987, a TUP muda radicalmente de postura e passa a apresentar uma formação exclusivamente masculina (sobretudo a partir de 1989), absorvendo a influência da tuna espanhola, em termos de postura e repertório, mas mantendo o fundo tradicional português, quer a nível do traje, quer dos instrumentos.

O conceito de tuna que começa a surgir deve-se em grande medida ao concurso de tunas promovido no âmbito do programa “Gente Joven”, transmitido pela TVE, mas visto em praticamente todo o território português.

Em 1987 realiza-se o primeiro festival de tunas em Portugal: o Festival Internacional de Tunas “Cidade do Porto” – o FITU. Começam a realizar-se festivais de tunas um pouco por todo o país, quase sempre com a presença de tunas espanholas.

Este contacto directo aprofundou a influência espanhola, nomeadamente a nível das tradições: baptismo de tunos, apadrinhamento de tunas, geminações/irmanamentos, hierarquização caloiro/tuno (ou análogo), o “magister tunae”.

Convém recordar que a nível universitário se vivia um período de revitalização/implantação da praxe académica. Como vimos na Parte II, os intervenientes no processo de implantação da praxe foram quase sempre os mesmos que estiveram na formação das tunas.

Esta circunstância fez com que a hierarquização no interior das tunas fosse fortemente influenciada pela hierarquização da própria praxe. Assim, enquanto nas tunas espanholas há dois ou três graus – “novato” ou “pardillo”, tuno ou “maese” e “magister tunae” ou “jefe”, algumas tunas portuguesas apresentam uma estrutura hierárquica mais complexa – com quatro, cinco, seis graus.

Na sua maioria, as tunas portuguesas apresentam apenas dois graus hierárquicos: caloiro e tuno, sendo o “magister” um “primus inter pares”, não um verdadeiro grau hierárquico.

A passagem de caloiro a tuno é geralmente assinalada por um ritual de baptismo. O caloiro é convocado a comparecer num local indicado pelos tunos, sendo-lhe pedido que realize uma série de tarefas. O caloiro terá de fazer prova do cumprimento das tarefas, findo o que será baptizado pelo “magister” e recebendo o cognome de tuno, normalmente decidido pelos restantes tunos. Poderá nesse momento receber um qualquer sinal identificativo da sua nova condição – uma fita, um emblema, etc. Este ritual é extremamente variado, podendo contemplar etapas diferentes das descritas.

O apadrinhamento entre tunas é mais raro, mas segue essencialmente o mesmo ritual do baptismo de tuno. De notar que o apadrinhamento não é necessário para que uma tuna seja reconhecida pelas restantes.

O irmanamento/geminação entre tunas é também raro. Poderá constar de uma cerimónia informal (um jantar e uma serenata conjuntos), com eventual troca de lembranças e celebração de um documento que assinale a ocasião. Os tunos de ambas as tunas serão, em princípio, reconhecidos como sendo tunos da outra.

Em Portugal não há, por isso, uma tradição tão “codificada” como em Espanha, onde cada ritual imprime um conjunto de direitos e deveres recíprocos.

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