O que não falta por aí são
versões, lendas e romanceadas ideias de como se deve usar uma capa com o traje
académico.
Assim, temos ditames que
determinam que se usa desta ou daquela maneira, em função de inúmeras variáveis
que rivalizam entre si em ignorância e autismo.
Ele é em função da
hierarquia, de praxes com caloiros, de estar na praxe, de praxismo, do
"disse que disse"...... uma caterva de razões que os códigos
respectivos consagram a modos que registo de idiotices.
A capa tem uma função primordial
e existe por uma única razão: AGASALHAR.
Porque parte de um uniforme,
segue, para um conjunto muito restrito de situações, aquilo que é a
etiqueta e protocolo próprios do uso do traje (Praxe), a saber:
- TRAÇADA: APENAS E UNICAMENTE (como próprio da etiqueta/praxis
académica) em serenatas (Monumentais) e em trupe;
- DESCAÍDA PELOS OMBROS (sem quaisquer dobras): APENAS E UNICAMENTE
(como próprio da etiqueta/praxis académica) em momentos solenes ou perante
autoridades;
Assim, meus caros leitores,
nem mesmo para praxar é imperativo traçar a capa, como alguns preconizam.
Muitos menos por ser noite.
Fora estas situações
específicas em que a capa se tem de usar como acima mencionámos, a mesma usa-se
como cada um bem entender, seja caloiro ou veterano.
A essas maneiras informais e
comuns de usar a capa, se dão várias designações, conforme o modo como a mesma
é transportada (à tricana [1], também
apelidada de "à senador", ou seja com a capa passando por baixo do
braço direito; à ninja, pelos ombros, ao ombro, ao braço, à cabeça........),
que não passam disso mesmo: designações correntes e em jeito de cognomes, atribuídas com a época em que se tornaram moda.
Nisso não há Praxe alguma,
precisamente porque esses usos não são nem obrigatórios nem proibidos (salvo
nas únicas situações que atrás citámos).
Nota: Como referimos em nota
de rodapé, a designação do "traçar à tricana" poderá não ter
propriamente origem nas mesmas e no modo como usavam o lenço em torno do
tronco, pois que já os estudantes usavam a capa desse modo, ainda antes das
tricanas o fazerem, além de que dificilmente se explica que, no país vizinho,
estudantes e tunas já o fizessem também.
Mas é proibido usar capa
traçada numa praxe ou descaída sem dobras noutras situações do dia-a-dia? NÃO!
Pode-se, então, usar? PODE!
Mas sou obrigado a usar? NÃO!!
Existe, recordemos, uma
diferença enorme entre aquilo que é obrigatório, secundum praxis, e aquilo que é permitido fora
dessa obrigatoriedade.
Porque não existe proibição ou restrições a nenhum modo
de usar a capa fora dos casos previstos, cada qual usa como lhe der jeito e lhe
for confortável.
Não há obrigatoriedades que
não as acima mencionadas, sendo que não há igualmente restrições fora das
situações referidas.
E muito menos existe qualquer
fundamentação para não estar afastado da capa mais que X distância. Isso não
tem qualquer base histórica ou tradicional. E quem acha que tem, prove-o
documental e historicamente, e não com recurso ao produto dos seus intestinos ou
com aquilo que emprenhou pelos ouvidos.
Estar demasiado afastado da
sua capa, seja por que razão for (cada um sabe de si), pode é implicar alguém
no la roubar, tal como deixar a carteira ou o telemóvel, nada mais [2].
As únicas situações em que é
imperativo estar correctamente trajado é nas actividades em que, por tradição,
o estudante se deve apresentar rigorosamente uniformizado.
Obviamente que, fora estas
situações, o estudante tem apenas o dever moral, e brio pessoal, de saber
dignificar o traje que enverga, sem contudo que tal implique ortodoxias e papismos fundamentalistas de medições de
distâncias ou contagem de peças que se traz no corpo, especialmente em
situações em que o bom-senso e a etiqueta mandam que não se esteja vestido como
se estivéssemos em noite gélida.
Não passa pela cabeça de alguém
inteligente que se muda um pneu furado totalmente trajado ou que é crime de
lesa praxis estar numa esplanada de café sem o poder fazer em colete. Do mesmo
modo que almoçar sem casaca (batina) é não apenas conveniente como nada tem a
ver com praxe.
E mesmo, por exemplo, em
eventos académicos como Baile de Gala, mandam os bons costumes que o estudante
dance sem capa, e não deixa de estar "fora da praxe" por isso.
Estar na Praxe é saber
obedecer ao que a etiqueta e protocolo académicos determinam para certas
situações e não para todas só porque se está trajado.
Pasme-se que, até no que
concerne ao traçar da capa em serenatas não havia inicialmente qualquer
codificação que obrigasse a taparem-se os colarinhos brancos (quanto mais a
estupidez de arregaçar as mangas - más há gente idiota que o faz pensando que é
obrigatório, que é da praxe).
Isso de "tapar os brancos" (e apenas os colarinhos) foi uma convenção mais
tardia, tanto que Alberto Lamy nada refere quando fala das Serenatas
Monumentais (nem quando fala de Trupes), o que por si só é suficientemente esclarecedor:
"A Serenata Monumental, ao cimo das escadarias
que conduzem à entrada principal da Sé Velha, o altar do Fado de Coimbra, marca
o início das festas da Queima das Fitas.
Integrada nas festas da Queima, pela primeira vez em
1949, a Serenata Monumental é a consagração dos guitarristas e cantores que
nela actual.
(...)
É praxe, na Serenata Monumental, não se baterem palmas
e os assistentes manterem-se em silêncio até ao final. Os estudantes devem ter
a capa traçada e as insígnias pessoais recolhidas.
Após a restauração das tradições (1980), voltou a ser
praxe a realização, em seguida à Serenata Monumental, da Ceia dos Boémios
(actualmente na cava do Departamento de Química)." [3].
Nota: nas demais serenatas, não existia, em épocas mais recuadas, qualquer codificação em sequer se traçar a capa. Algumas fotos esclarecedoras disso são prova no artigo que anteriormente dedicámos à praxis da Serenata (ver AQUI).
Como se pode verificar, nem
mesmo essa obsessão pelos "brancos proibidos" merece tão devota
ortodoxia, especialmente no que concerne às mangas, as quais, quando trajado a
rigor (momentos formais), secundum praxis,
devem estar abotoadas, porque assim é educação e etiqueta, como a Praxe
preconiza. Fora isso, cada qual arregace à vontade.
Usa-se a capa como dá jeito,
sabendo que há ocasiões muito específicas (e são tão poucas que não há que
enganar) em que ela se usa de determinada maneira.
Tudo o que vá para além
disso, esteja num código ou em papel higiénico usado (muitas vezes são
sinónimos) é excesso de zelo movido por fantasias romanceadas pela ignorância,
pelo gosto da picuinhice e promover farisaicos preceitos que obstruem as
mentes, asfixiam a Tradição e cobrem de ridículo quem assim pavoneia a sua
ignorância.
Ficam alguns clichés suficientemente claros.
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Estudante de Coimbra no séc. XVIII
com capa traçada descaída sobre o peito. |
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Estudante de Coimbra no séc. XVIII |
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Estudante espanhol, no séc. XIX |
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Antigo estudante espanhol. do séc. XIX
(Museo Internacional del Estudiante) |
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Julgamento do caloiro (1940) com o mesmo trajado com a capa pelo ombro
e os demais usando a capa de diversas formas (sem obrigatoriedade de estar traçada). |
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Pintura mural de uma trupe, na qual podemos ver o uso da
traçada ou até enrolada ao pescoço.
(Real República Rás-Teparta) |
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Trupe (cliché tirado para postal ilustrado - por isso foto diurna)
em que alguns elementos usam a capa pela cabeça e o caloiro a tem descaída.
(1940) |
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Trupe em foto de estúdio (para postal ilustrado) com o
caloiro a usar a capa no braço. |
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Estudante da UC em 1891 |
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Manuel Louzã Henriques, dia de formatura,
com os sineiros da Torre da Universidade (p.189) em 1961. |
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Quintanistas de Coimbra em Récita, onde podemos ver alguns
estudantes disfarçados de tricanas (e usando o lenço traçado sobre o peito).
Ilustração Portugueza, 1ª Ano, Nº 23, de 11 de Abril de 1904, p. 359
(Hemeroteca Municipal de Lisboa). |
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Os Estudantes Portugueses em Paris, onde podemos ver
diversas formas de usar a capa.
Illustração Portugueza, 2ª série, Nº 11, de 7 de Maio de 1906, p. 341. |
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Liceu Alexandre Herculano, do Porto, no ano lectivo de 1905-1906.
Foto de Padre Moreira das Neves, -o Cardeal Cerejeira, Lisboa, ProDomo, 1948 |
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Benção das Pastas na capital, a qual se realizou em 1933
(na Igreja dos Mártires), para os "quintanistas católicos de direito e medicina.
Por se tratar de cerimónia solene, a capa está descaída sobre os ombros.
(Ilustração, 8º Ano, Nº 6 (174), de 16 Março 1933, p.10 - Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
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Tuna Porto 1897, com os elementos usando capa de várias maneiras
O Tripeiro, V série, ano VII, n.º 10 (Setembro de 1951), pág. 99 |
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Pequena BD onde se retratam estudantes na praxe,
usando a capa de várias formas (pelos ombros, à tricana e ao braço)
O Caspa e Batina - Jornal da Mocidade Portuguesa da 1ª série, 1938, p.4 |
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Serenata Monumental em Coimbra, com o uso da capa traçada. |
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Queima do grelo (que dá o nome à Queima das Fitas) na UC,
onde podemos ver o estudante de capa ao ombro. |