Actualização de 01-08-2018
"Praxe e Tradições Académicas" é o
mais recente trabalho do sociólogo Elísio Estanque, o qual, nos últimos anos,
se tem debruçado sobre o fenómeno das praxes estudantis.
Após uma leitura atenta, alguns considerandos se
podem tecer, desde logo deixando claro que é um livro de leitura
obrigatória, para quem pretende compreender e reflectir sobre os fenómenos
sociológicos afectos às práticas estudantis, com especial enfoque nas
conhecidas por praxes académicas; ainda assim, pejado de imprecisões e alguns
erros graves do ponto de vista histórico.
Começaríamos por dizer que o título, de certa
forma, não corresponde exactamente ao que o comum estudante, praxista ou
estudioso destas coisas perspectiva.
O livro não fala, efectivamente, de Praxe, no
seu sentido mais correcto, mas de Praxe no sentido em que, actualmente,
demasiadas academias e estudantes o intuem, confinando o seu significado
meramente aos ritos que envolvem caloiros.
Embora o autor deixe claro que situa a sua noção
no contexto sociológico devido, ou seja no meio e tempo presentes (e, sob essa
perspectiva, até está correcto), cremos que deveria ter, pelo menos, deixado no
ar que é um conceito truncado e pervertido; resumido a praxes e pouco mais, e
que, embora assuma no discurso o entendimento de hoje, reconhece que o
entendimento actual de "Praxe" é, ele próprio, resultante de um
fenómeno sociológico que adulterou o conceito genuíno.
Aliás, uma primeira crítica que faríamos, é
precisamente quando, a páginas tantas[1],
elenca as perspectivas de Praxe existentes (com base em textos publicados em
vários blogues), e omite aquela que é por nós apresentada, neste blogue, e comungada por
outros blogues de referência, como o blogue "Praxe Porto"[2],
entre outros, que, modéstia à parte, têm não só maior peso no meio académico,
mas o fazem com o maior rigor na
investigação e documentação d amesma, servindo de fonte e referência, pro
exemplo, ao maior grupo facebookiano dedicado a estas matérias: o "Tradições Académicas&Praxe" (olimpicamente ignorado, aliás, quando as
redes sociais fazem já parte do fenómeno sociológico em causa).
Não é, portanto, um livro sobre Praxe, mas sobre
praxes e a sua análise sociológica.
E é nesse âmbito que deve ser lido, e aí reside
a sua mais-valia, passado o equívoco provocado pelo chamariz do título.
Também não é um livro sobre Tradições Académicas, embora aborde diversas manifestações da
cultura e tradição estudantis, que são pretexto para análise comportamental
do contingente estudantil na vivência de algumas dessas tradições, que não
um retrato histórico e diegético dessas tradições - tanto que, quando o faz,
comete erros dolosos.
Não é, pois, um livro que explique Praxe ou
Tradições, suas origens, significados, simbologia, etc., mas um livro que, a
propósito disso, analisa, com bastante pontaria, diga-se, as motivações,
comportamentos, fenómenos de sociológicos que ocorrem dentro desse meio e,
muitas vezes, sob essas designações.
E quando, já mais para o final, aborda algumas
manifestações da tradição (latada, cortejo da queima...), fá-lo para observar
atitudes e comportamentos; constatando, portanto.
Temos alguma dificuldade em reconhecer um
público alvo para esta obra, para além dos aficionados da sociologia.
Ela é algo densa e exige algum esforço para se
acompanhar o leitmotiv (uma
falha narrativa). Com efeito, não seguindo propriamente um fio condutor
intuitivo, somos levados a saltitar entre assuntos nem sempre bem colados entre
eles, mesmo se cada um tratado com bastante rigor do ponto de vista sociológico
e apresentando diversos testemunhos, entrevistas e dados recolhidos e tratados
- resultantes do contacto directo com diversos protagonistas.
Já sob o ponto de
vista de rigor histórico, é um fiasco absoluto.
Também saudamos o facto de, sem grandes desvios,
manter uma posição isenta na análise ou, pelo menos, a não prejudicar por
qualquer posicionamento quanto às questões sempre controversas como são os
ritos com caloiros.
Mas se este livro é, incontestavelmente, uma
análise arguta e bem suportada, do fenómeno sociológico que representam as
praxes, e de todos os que se vão criando debaixo do teto das tradições
estudantis, peca, contudo, por diversas imprecisões, quanto a factos
históricos.
Alguns erros
("imperdoáveis")
1.º - Um dos lapsos detectados ocorre a propósito do
salto que faz à vizinha Espanha, quando aborda a questão da extinção do foro
académico naquele país (quase na mesma altura em que tal também sucede em
Portugal) e da crescente rejeição de uma sociedade em mudança, empurrada pelos
ideais das revoluções liberais ocorridas (levando a sucessivas proibições de
praxes, com recurso a forças policiais ou militares, em Portugal),
para dizer, e passo a citar, que "Também em Espanha, parte da cultura
pícara seria expulsa dos claustros das universidades, sendo depois continuada
pelas tunas escolares."[3].
Só que isso não
corresponde inteiramente aos factos.
Com efeito, se é verdade
que a cultura pícara é extinta com a abolição do foro académico em Espanha, no
início do séc. XIX não existiam tunas. Aliás, as primitivas formas de
associação tuneril surgem sob a designação de comparsas ou estudiantinas
carnavalescas, que saíam à rua apenas no Carnaval ou para pontuais préstitos e
peditórios em favor de vítimas de guerra, cheias, terramotos ou estudantes
necessitados, logo desaparecendo.
Eram, portanto, fenómenos efémeros.
Além disso, não existe qualquer registo de,
mesmo a partir de 1870 (quando as tunas emergem com maior relevo, embora sem
cariz permanente, ainda), de práticas de praxe dentro das mesmas, coisa que só
começa a ocorrer (e de modo bem diferente) em Espanha a partir do Franquismo
(e, em Portugal, a partir dos anos 70-80 do séc. XX). Além disso, as
estudiantinas/comparsas nem sequer usavam traje estudantil, que fora abolido,
antes usando trajes carnavalescos, dos mais variados, até a famosa Estudiantina Fígaro (a partir de
1878-79) contagiar o mundo tunante com o seu modelo estético e musical que
perduraria até às primeiras décadas do séc. XX, quando os panos se fixam no
actual traje de tuna espanhola que conhecemos (que
nada tem a ver com traje estudantil sequer).
Não existindo tunas na época referida por Elísio
Estanque, é errónea a afirmação que faz[4].
Cremos que falou, aqui, algum cuidado em documentar-se e informar-se
devidamente sobre Tunas, apesar da não haver falta de informação creditada.
2.º - Uma outra passagem que suscita reticências vai
para quando trata do caso específico do Porto, afirmando, e passo a citar, que "Apesar
do peso da tradição ser escasso no Porto, o poder atrativo da praxe cresceu
rapidamente, induzindo uma entrega quase sem limites da parte de sucessivas
gerações de estudantes que forma ingressando nas instituições de ensino
superior da cidade."[5].
Ora o Porto tem uma longa tradição académica e
uma praxis bem enraizada, desde o séc. XIX. Da festa da pasta à queima, da
tradição orfeónica passando pela tunante............... a Invicta tem pergaminhos
no que toca a ter uma tradição académica[6].
Poderia não ter quanto a praxes com caloiros,
mas lá está: ou bem que estamos a falar de tradições académicas ou bem que
estamos a falar de praxes; e a tradição académica não se resume, nem nunca
resumiu, a praxes.
3.º - Um outro erro, um pouco mais grave, em nosso
entender, é quando opta por citar (de forma totalmente
incompreensível), uma dissertação de licenciatura de uma, então, aluna
(sem haver verificação e confronto de dados e fontes), escrevendo o seguinte:
“Igualmente
digno de registo é a popularidade de alguns nomes ligados ao imaginário
académico, embora não estudantes, que povoaram a cidade em épocas distintas, e
o papel que desempenharam no universo das representações intelectuais e
estudantis.
Personagens
como o Agostinho Antunes, o Pantaleão, o Pad Zé, o Castelão de Almeida, entre
outros, fazem parte da história da academia de Coimbra, sendo de certo modo
apropriados por essa espécie de "academia paralela" que animava os
ambientes boémios e contestatários de Coimbra do passado."[7]
Ora, como bem
sabemos, porque documentado, Pantaleão, Pad-Zé (Dr. Alberto Costa), Castelão de
Almeida.....foram estudantes, de facto, devidamente matriculados na UC.
Esse erro histórico
resulta de um excesso de confiança em fontes não verificadas, sabendo nós, tão
bem, que, em matéria de Praxe e Tradições, se têm cometido verdadeiras
atrocidades científicas, até mesmo em trabalhos e dissertações universitárias
que passam incólumes pelo crivo pouco rigoroso de docentes - também eles pouco
habilitados e rigorosos nestas matérias[8].
E para fazer corresponder essas figuras aos
factos, desdizendo o que essa tal de Madalena Duarte dissertou (e que
incautamente o autor considerou), aqui deixo, ipsis verbis, o que muito bem respondeu o Ricardo Figueiredo na
página de FB "Penedo d@ Saudade" em 14-11-2016:
"- Pad-Zé,
(Dr. Alberto Costa) foi uma das figuras centrais na organização e conteúdo
do “Centenário da Sebenta”, na companhia de D. Thomaz de Noronha, Luís de
Albuquerque, Afonso Lopes Vieira. Acontecimento elogiado pelas autoridades
universitárias, eclesiásticas e civis de Coimbra da época. Mereceu ser incluído
no convite para a refeição de congratulações, pelas autoridades.
Depois, bacharel,
teve um percurso, como jornalista e figura no período politico, controverso e
conturbado, antes da implantação da República.
Teve nome em rua da
Velha Alta (onde se litografou a primeira sebenta)e, ainda hoje, figura na
toponímia do Fundão[9].
- O curso do
Pantaleão lançou a venda/peditório das Pastas, com a companhia das meninas
do Asilo Elysio de Moura, percorrendo a cidade, revertendo a receita para
aquela instituição, o que muito sensibilizou os bem feitores e cidadãos de
Coimbra.
Também, introduziu a
“praxe” da cartola e da bengala, que se mantém na atualidade.
Depois, licenciado em
medicina com 14 valores, o Dr. Henrique Mota foi o “João Semana” da sua região,
ainda lembrado, colaborando na causa pública e no ensino. Há quem possa
testemunhar a sua conduta, filantrópica e amiga.
- Castelão de Almeida, com o Pantaleão, iniciou a publicação do
Jornal "O Poney" – “acérrimo defensor dos interesses da Academia de
Coimbra“ (Carminé Nobre), onde se podem revisitar, com piada/crítica, acontecimentos
da época.
A República
Ribatejana, onde viveram Agostinho Antunes, Henrique Mota (Pantaleão) e Castelão
de Almeida, foi palco privilegiado de homenagem a figuras nacionais e
estrangeiras, de visita à Universidade (António Ferro, Fernanda de Castro,
Humberto Cruz, Carlos Bleck e outras).
O Dr. Castelão de Almeida, licenciado em
Direito, destacou-se na sua região - Alpiarça, onde é lembrada a sua conduta
profissional - ação, na defesa profícua, longa e difícil, numa causa em favor
de pequenos lavradores e que ganhou, contra os latifundiários da lezíria. Tem,
por isso, nome de rua e placa evocativa[10].
-O Dr. Agostinho Antunes “conceituado
boémio” foi, depois, “abalizado clinico”, em Lagares da Beira, com o seu nome
no Largo evocativo."
4.º - “A Geração de 70, que surgiu em
Coimbra mas mais tarde se sedeou em Lisboa, com as Conferências do Casino, foi
alimentada por um grupo de jovens estudantes de que fizeram parte Antero de
Quental, José Fontana, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro,
Teófilo Braga, Eça de Queirós, entre outros, que se reuniam regularmente em
cafés, tabernas e ambientes de «tertúlia», onde – sob influência dos ideais
republicanos e socialistas – travaram animados debates sobre os problemas da
Universidade e do país, estimulados pelo espírito crítico e progressista que
vinha da Europa, mas que a academia de Coimbra e o poder dos «lentes»
rejeitavam.”[11]
Essas afirmações são aquilo a que se chama de história
ficcionada, ou seja uma mistura de factos históricos com outros ficcionados
(inventados, portanto). E isso o demonstra Mário Torrres[12]:
"Consultando as publicações
anuais da “Relação dos estudantes matriculados na Universidade de Coimbra”,
relativas aos anos de 1800/1801 a 1865/1866 [não se publicaram os anos de
1810/1811, 1828/1829, 1831/1834 e 1846/1847), a que sucedeu, a partir de
1866/1867, o “Anuário da Universidade de Coimbra”, constata-se que:
José Duarte Ramalho Ortigão (Porto, 1836 – Lisboa, 1915) não surge como aluno da Universidade de Coimbra, embora alguns dos seus biógrafos refiram que, com 14 anos (cerca de 1850), terá estado alguns meses em Coimbra, para tirar os preparatórios necessários à frequência da Faculdade de Direito, propósito de que desistiu, regressando ao Porto, colaborando com o seu pai na direcção do Colégio da Lapa, propriedade da família, onde foi professor de francês de Eça de Queirós. Permaneceu no Porto até 1867, ano em que veio para Lisboa.
Antero Tarquínio do Quental (Ponta Delgada, 1842 – 1891) frequentou a Faculdade de Direito de 1858/59 (1.º ano) a 1863/64 (ano em que se formou), tendo reprovado em 1861/62 na primeira vez que frequentou o 4.º ano.
Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada-à-Cinta, 1850 – Lisboa, 1923), após frequentar a Faculdade de Teologia (1866/67 e 1867/68), frequentou a Faculdade de Direito de 1868/69 a 1872/73, ano em que se formou, sem qualquer reprovação.
Pelo quadro seguinte constata-se que Antero de Quental (AG), Eça de Queirós (EQ), Teófilo Braga (TB) e Guerra Junqueiro (GJ), apesar de todos terem sido alunos da Faculdade de Direito (D) e Guerra Junqueiro inicialmente de Teologia (T), nunca foram colegas de ano.
1860/61 – AQ (D – 3.º)
1861/62 – AQ (D – 4.º) – EQ (D –1.º)
1862/63 – AQ (D – 4.º) – EQ (D – 2.º) – TB (D – 1.º)
1863/64 – AQ (D – 5.º) – EQ (D – 3.º) – TB (D – 2.º)
1864/65 – EQ (D – 4.º) – TB (D – 3.º)
1865/66 – EQ (D – 5.º) – TB (D – 4.º)
1866/67 – TB (D – 5.º) – GJ (T – 1.º)
1867/68 – GJ (T – 1.º)
1868/69 – GJ (D – 1.º)
1869/70 – GJ (D – 2.º)
1870/71 – GJ (D – 3.º)
1871/72 – GJ (D – 4.º)
1872/73 – GJ (D – 5.º)
Ramalho Ortigão terá passado
fugazmente por Coimbra, com 14 anos, cerca de 1850, oito anos antes da 1.ª
matrícula de Antero (1858/59). O seu primeiro encontro com Antero terá ocorrido
no Porto, em 6 de Fevereiro de 1866, no Jardim de Arca d’Água, num duelo
motivado pela “Questão Coimbrã - Bom Senso e Bom Gosto”, no decurso da qual
Ramalho terá chamado “cobarde” a Antero por este ter “insultado o cego e
velhinho” António Feliciano de Castilho, duelo em que, contra todas as
previsões, Antero saiu vencedor.
Guerra Junqueiro só entrou para a
Universidade quando já tinham saído Antero e Eça, pelo que não consigo imaginar
os três a debater animadamente os momentosos problemas da Universidade e do
País. Mas se EE diz que sim é porque sim. EE nunca erra.
Dos sete nomes que, segundo EE, participavam nos animados debates, só parecem prováveis três: Antero, Eça e Teófilo, Apesar da diferença de anos, Eça (2.º ano de Direito) e Teófilo (1,º ano de Direito) assinaram o “Manifesto dos Estudantes de Coimbra à Opinião Ilustrada do País”, redigido por Antero (4.º ano de Direito) e subscrito por 314 estudantes dos 903 estudantes inscritos em 1862/63, na sequência da manifestação (abandono da Sala dos Capelos) contra o odiado Reitor Basílio Alberto da Sousa Pinto, em 8 de Dezembro de 1862, no decurso da tradicional cerimónia de entrega dos prémios aos melhores alunos da Universidade.
Mas a mais delirante e hilariante
“invenção” de EE é a relativa aos “jovens estudantes da Universidade de
Coimbra” José Fontana e Oliveira Martins.
Para azar de EE, José Fontana
[Giuseppe Silo Domenico Fontana (Cabbio / Ticino / Suiça, 1840 – Lisboa, 1876)]
e Joaquim Pedro de Oliveira Martins (Lisboa, 1845 – 1894) nunca frequentaram a
Universidade de Coimbra.
José Fontana veio para Lisboa em
1854. Operário (relojoeiro) e depois empregado da livraria Bertrand, defensor
das classes operárias, promotor do associativismo, fundador da “Associação da
Fraternidade Operária” e do Partido Socialista, pertenceu à “Geração de 1870”,
mas nunca estudou em Coimbra. Mas se EE diz que sim é porque sim. EE nunca
erra.
Oliveira Martins, "órfão de
pai, teve uma adolescência difícil, não chegando a concluir o curso liceal, que
lhe teria permitido ingressar na Escola Politécnica, para o curso de Engenheiro
Militar. Esteve empregado desde os 13 anos de idade no comércio, de 1858 a
1870, mas, nesse ano, devido à falência da empresa onde trabalhava, foi exercer
funções de administrador de uma mina na Andaluzia. Quatro anos depois regressou
a Portugal para dirigir a construção da via férrea do Porto à Póvoa de Varzim e
a Vila Nova de Famalicão. Em 1880 foi eleito presidente da Sociedade de
Geografia Comercial do Porto e, quatro anos depois, diretor do Museu Industrial
e Comercial do Porto." Isto é o que diz a Wikipedia, Mas se EE diz que
Oliveira Martins estudou na Universidade de Coimbra é porque sim. EE nunca
erra."
Em suma: do grupo de sete "jovens estudantes de Coimbra" que EE assegura que “se reuniam regularmente em cafés, tabernas e ambientes de «tertúlia», onde – sob influência dos ideais republicanos e socialistas – travaram animados debates sobre os problemas da Universidade e do país, estimulados pelo espírito crítico e progressista que vinha da Europa, mas que a academia de Coimbra e o poder dos «lentes» rejeitavam”, a “cena” imaginada só poderia ter ocorrido com três: Antero, Eça e Teófilo.
Em sete nomes, acertou em três e errou em quatro.
EE com todo o mérito doutorado
pela Universidade de Coimbra com distinção e louvor. Um exemplo de rigor científico."
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Não sendo Elísio Estanque um
especialista em matéria de história das tradições académicas, isso não o
desresponsabiliza de, como docente universitário, usar de maiores cautelas em
áreas que não a sua. Cremos, aliás, que isso prejudica a sua credibilidade como
cientista das Ciências Sociais, com grau de Doutor.
OBSERVAÇÕES CRÍTICAS
- Esta
obra faz diversas vezes referência a este nosso blogue, o que muito nos honra, mas,
lamentavelmente, não consta na Bibliografia de referência (pp. 227-231). Não
consta o N&M nem a maioria dos blogues que foram sendo referidos em nota de
rodapé ao longo do livro, excepção feita ao artigo do António Nunes,
constante no blogue "Guitarras de Coimbra (Parte I)", o qual aparece
devidamente referenciado (p. 231), como é próprio.
Uma indelicada falta de rigor metodológico que
não se coaduna com o que se exigiria de Elísio Estanque (ou qualquer outro
detentor de grau académico).
- Também achámos algo caricato, para não dizer
ridículo, que se faça menção de que é necessária autorização prévia do autor ou
editora para reproduzir conteúdos do livro, quando o autor não teve sequer o
cuidado de pedir autorização aos blogues que citou, nomeadamente ao N&M.
Claro está que aqui reproduzimos várias passagens do livro sem pedir qualquer
autorização, mas seguindo a norma legal para citar e identificar devidamente a
fonte citada.
- Não deixamos de constatar que, em diversos
outros assuntos abordados, outros artigos nossos pudessem (e deviam) tê-lo sido
também, especialmente no que concerne a questões ligadas aos alunos declarados
(ou que são levados a declararem-se) "anti-praxe" e todas as
consequências proibitivas que servem, tantas vezes, de coação dissuasora ou
burlosa chantagem psicológica[13], mas
também para analisar as falácias em torno do, no meio praxístico, tão
apregoado lema "Dura Praxis Sed Praxis"[14] ou,
ainda, quando (nas páginas 240-241) fala do rasganço[15],
para só referir estes.
Os leitores ficariam certamente a ganhar com um
melhor aproveitamento do que já está investigado e documentado, e chancelado
pelo rigor.
Pontos de interesse
Para não tornarmos fastidioso este artigo,
apontamos algumas páginas cujo conteúdo merece destaque, e deve suscitar
reflexão crítica por parte, nomeadamente, dos estudantes e organismos
praxísticos (para já não dizer dos pais dos alunos):
- páginas 28-31;
- páginas 97-98;- páginas 137-144;
- páginas 145-147;
- páginas 156-176;
- página 179;
- página 194 (com a revelação de que o Dux de Coimbra recebe 1% do lucro da Queima, que aplica nas despesas do MCV);
- página 217-226 (síntese conclusiva).
RESUMINDO:
Contas feitas, e ignorando (se é que é possível)
as calinadas históricas, é uma obra a não perder, do estrito ponto de vista da
sociologia.
É verdade que não é uma obra sobre Praxe e
Tradições Académicas, mas essencialmente sobre os ritos com caloiros e os
diversos fenómenos sociológicos que ocorrem no contexto estudantil
universitário, mas que se aconselha vivamente - para a análise às práticas.
Ficou a faltar, em nosso entender, uma mais
clara confrontação tripartida desse apaixonante e controverso fenómeno das
praxes aos caloiros:
1.º - das antigas investidas até ca. 1910-30 (entre
1910 e 3 ca. 1930 existe uma hiato com avanços e recuos), em que esses rituais
envolviam muitos excessos e muita violência, mas que, de certo modo, estavam em
linha com os usos e costumes, regras de educação e civilidade da época, pelo
que toleradas a maioria das ocorrências que não envolvessem casos graves, como
aliás refere A. Nunes, quando diz, e passo a citar:
"Contrariamente ao que se possa pensar,
esta violência ritualizada, e veementemente condenada desde o iluminismo, pouco
ou nada se distinguia das troças com que os fidalgos mimoseavam os vilões e as
raparigas do povo; das penalidades infamantes vigentes nos forais e Ordenações
até ao advento do Liberalismo; da defesa da honra entre rapazes de aldeias
rivais; da exercitação da vingança privada nas comunidades rurais, sendo disso
exemplo as latadas aos recém-casados e nubentes viúvos; as cornetadas à porta das
adúlteras; os chocarreiros testamentos da Serração da Velha e Queima do Judas;
o deitar pulhas, os entrudos porcos com arremesso de cinzas, ovos podres e
tripas; as pancadarias dos habilidosos manejadores de paus em feiras e
romarias; os insultos acompanhados de murros, taponas, escarros, sinais
obscenos, palmadas nas nádegas, a coroação e sermonário dos maridos
cucos/cornos."[16].
2.º - De ca. 1930 a 1969, numa fase em que só mesmo
nas trupes[17]
podemos encontrar, de facto, laivos claros de violência e coação física sobre
caloiros, sendo que, como o podem testemunhar os antigos estudantes de então,
nessa época não se admitiam coisas que hoje vemos, como meter caloiros de 4,
pintá-los, sujá-los, insultá-los, gritar palavrões na rua, banhos forçados,
brincadeiras de cariz sexual, proibi-los de usar traje ou participar das
actividades caso se recusassem ser praxados.....ou seja, uma fase de mais
civilizade e brandura só interrompida, à noite, pela acção das trupes
cujo castigo máximo era o rapanço (apenas a rapazes).
E, neste ponto, Elísio Estanque omite um facto
importante, até mesmo quando refere as regras que regem as trupes, segundo o
código de 57: é que esse código foi praticamente ignorado pela comunidade
coimbrã da altura (muitos nem dele tinham efectivo conhecimento), a
qual continuou a reger-se pela tradição oral[18].
Pelo que só mesmo a partir de 1980 é que, e na falta de um testemunho pessoal
transmitido pelos anteriores estudantes (fruto da suspensão da Praxe e actividades
académicas e 1969), foi o Código de 57 tomado como referência e base para
a reintrodução das tradições.
3.º - de 1980 aos nossos dias, onde há um regresso ou
ressurgimento de práticas de verdadeira barbárie e reaparecem, como
sucedia anteriormente a inícios do séc. XX, inúmeros casos de abusos e
incidentes graves.
Embora Elísio Estanque explique o caldo social
que leva a muitas dessas práticas, e até estabeleça as diferenças entre a
sociedade académica de finais de 50-60 e as que se seguiram, fá-lo explorando o
lado político e empenhamento associativo, mas não tão claramente entre modelos,
conceitos, práticas e paradigmas de praxes.
É que, efectivamente, o que hoje temos como
Praxe (na maneira como o termo é entendido, embora equivocadamente, pelos praxistas)
não encontra um precedente lógico e de continuidade, e muito menos contexto
favorável na sociedade - e, ainda assim, multiplicou-se a agudizou-se.
EPÍLOGO
Um livro que faz uma boa análise às práticas
ditas "praxes" (gozo ao caloiro, para sermos mais exactos e precisos)
e que, nessa perspectiva, recomendamos vivamente.
Um livro que, quando entra em aspectos de índole
histórica, comete erros demasiado graves para serem ignorados e apresenta falhas metodológicas no que
concerne às fontes e sua devida, e correcta, referência.
O estatuto do autor exigiria mais rigor e,
também, humildade - especialmente quando confrontado com os erros graves que
cometeu na obra; reparos que o autor prefere ignorar olimpicamente (levando,
necessariamente, a um juízo de carácter que não abona em seu favor).
[2] Vd.
nomeadamente, COELHO, Eduardo - Entre
"Ir" e "Estar", a Tradição abandonar. Artigo publicado
no blogue "Praxe Porto", 2013 [Em linha]
[4] Cf.
COELHO, Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, SOUSA, João Paulo e TAVARES, Ricardo - Qvid Tvnae? A Tuna
Estudantil em Portugal. Euedito, 2011; SÁRRAGA, Félix O. Martin - El Traje de Tuna.
Tvnae Mvndi, 2016; La Tuna para legos,
Tvnae Mvndi, 2016; Mitos
y evidencia histórica sobre las Tunas y Estudiantinas. Tvnae
Mvndi, 2016;
[7] DUARTE, Madalena - A taberna e a boémia
coimbrã – Práticas de lazer dos estudantes de Coimbra. Coimbra: FEUC
(dissertação de licenciatura), 2000, citado/transcrito pelo autor, na página
72.
[8] Ao longo dos últimos anos, deparámo-nos, já, por diversas
vezes, com trabalhos finais (de licenciatura ou mestrado), ou trabalhos no
âmbito de uma disciplina específica do curso, publicados na internet (nos mais
diversos suportes) sem qualquer rigor histórico, especialmente sobre Tunas e
sobre Praxe/Tradições Académicas, com a aparente chancela dos docentes
orientadores. O mais recente foi feito no âmbito de uma cadeira de comunicação
social e não deixámos de apresentar queixa ao docente responsável e ao director
do curso, fornecendo, concomitantemente, as provas documentais que contradiziam
os erros detectados nesses trabalhos. Temos de o dizer, mesmo que em nota de
rodapé: é vergonhoso isso
ocorrer numa instituição de ensino superior.
[11] ESTANQUE, Elísio - Praxe
e Tradições Académicas. Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2016,
p. 72.
[14] Vd. Notas&Melodias - Notas ao DURA PRAXIS
SED PRAXIS. Artigo de 05 de Fevereiro de 2015. [Em
linha]
[16] NUNES,
António Manuel - As
Praxes Académicas de Coimbra, Uma interpelação histórico-antropológica.
Artigo publicado no blogue Guitarra de Coimbra (Parte I) a 19 de Novembro de
2005 [Em linha], com base na comunicação proferida pelo próprio nas Primeiras
Jornadas “As
Praxes Académicas - Sentido actual e perspectivas”, promovidas pelo
Instituto Piaget de Viseu nos dias 29 e 30 de Abril de 2003. Trabalho publicado
na revista Cadernos do Noroeste, Braga, Instituto de Ciências Sociais da
Universidade do Minho, Volume 22 (1-2), ano de 2004, págs. 133-149, por
gentileza do Prof. Doutor Albertino Marques.
[17] Nem
mesmo os julgamentos que ocorriam nas repúblicas, os quais eram mais jocosos
que outra coisa.
[18] E
tanto assim é que, mais do que o testemunho de antigos estudantes nesse
sentido, tal está patente na forma como as meninas, durante muito tempo,
ignoraram a prescrição que o código inventou em usarem meias de vidro pretas,
continuando a usar ou meias de vidro cor da pele ou meias nenhumas (Vd
Blogue Notas&Melodias - Notas à Saia e Meias do Traje Académico
Feminino. Artigo de 21 de Novembro de 2014).