quinta-feira, março 06, 2014

Notas ao Estudo dos Costumes Académicos

Vale a pena trazer à liça o seguinte artigo do nosso muito estimado amigo, António M. Nunes, historiador e consagrado especialista em tradições, protocolo e etiqueta académicas.
Importa em razão da reflexão feita sobre praxes e costumes académicos que, durante tantos anos, foram um "não-tema" na agenda académica.
Hoje, e de há uns quantos anos a esta parte, são já vários, e bons,os estudos e teses sobre estas matérias, permitindo (re)descobrir o património cultural estudantil, de forma mais científica e fundamentada.

Costumes académicos de Coimbra, registados em 1909,
in  Ilustração Portuguesa, Nº 161, de 22 Março 1909, p361

Costumes académicos de Coimbra, registados em 1909,
 in  Ilustração Portuguesa, Nº 161, de 22 Março 1909, p361



"O Leão de Camões

O leão de Camões, inaugurado junto ao Paço das Escolas em 1880. Apontamento de uma fotoreportagem sobre os costumes académicos de Coimbra. Rara figuração do estudante "urso". Por desconhecimento resultante da falta de viagens a outras instituições de ensino superior estrangeiras e de escassa circulação de literatura especializada, as tradições estudantis de Coimbra tendiam a ser vistas nos inícios do século XX como singularidades e casticismos, quando em bom rigor:a) sob diversas formulações e variantes também eram praticadas nas universidades da Alemanha, Suécia, Bélgica e nas faculdades de direito do Brasil;

b) tinham vindo a alastar aos liceus portugueses, ganhando mesmo colorações marcadas pela originalidade (é dificilmente aceitável hoje que nada se soubesse e dissesse sobre as festas Nicolinas dos estudantes do ensino médio/liceal da cidade de Guimarães, ou sobre a popular Festa do Galo das escolas primárias);

c) grande parte dos rituais cíclicos iniciático-punitivos conhecidos em Portugal por praxes, e no Brasil por trotes, eram comuns às escolas militares e quarteis castrenses (ritos iniciáticos, partidas e troças, hierarquias, alcunhas, formas de tratamento, punições);

d) diversas tradições já bem radicadas ou em fase de implementação/invenção em inícios do século XX eram semelhantes às festividades cíclicas realizadas pelas comunidades tradicionais de Portugal, Espanha, Brasil, Bélgica, Itália (caso dos corsos carnavalescos, batalhas de flores em carruagens floridas, queimas e enterros os mais variados).

Nos últimos anos, no Brasil, as faculdades de psicologia e ciências da educação promoveram importantes estudos sobre as vivências estudantis e os trotes (praxes) associadas a processos de afirmação dos matriculandos da classe média e à construção de identidade(s). Indêntico interesse ocorre em França, conquanto colocando a tónica nas relações de poder, nos mecanismos de controle social, nas relações de género e na sempre difícil equação integrar/não integrar, respeitar os direitos humanos/violentar os direitos humanos.
No tempo em que frequentei a Universidade de Coimbra, o professorado rejeitava ostensivamente qualquer hipótese de inclusão destes temas na agenda académica. Havia excepções, é claro, como o saudoso Prof. Joaquim Ferreira Gomes que estudou as instituições de ensino superior, os laboratórios de investigação, os equipamentos científico-laboratoriais, a feminilização do ensino superior e orientou a tese de doutoramento de Manuel Carvalho Prata sobre a academia de Coimbra entre finais do século XIX e os anos inaugurais do século XX. Hoje em dia, esta visão primária e preconceituosa começa a desaparecer. Assimilada a lição bourdieuana, nos últimos vinte anos a sociologia interessou-se pelo estudo dos costumes estudantis. Os investigadores das ciências da educação começaram a explorar os manuais de civilidade e não tarda passarão aos trajes académicos, ritos, festividades, códigos de praxe e instrumentos de construção da identidade do homus academicus. É o que parece anunciar o IX Congresso Luso-Brasileiro de história da Educação, Rituais, Espaços e Patrimónios Escolares que terá lugar em 12-15 de Junho 2012 na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa/Instituto de Educação (http://colubhe2012.ie.ul.pt/).
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 161, de 22.3.1909

Alguns exemplos:
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ZUIN, António Álvaro Soares - Trote na universidade. Passagens de um rito de iniciação. São Paulo: Cortez, 2002."



Nunes, A. M. - O leão de camões, http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.10.2011.

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