Mas
mais do que procurar questionar da sua validade, especialmente na actualidade,
importará conhecer um pouco melhor as raízes e origem destes grupos, já que,
também aqui, muitos serão os que praticam e fazem parte de um fenómeno sobre o
qual detém um conjunto de saberes difuso. Para além disso, também nos
apercebemos que, sobre este assunto, pouco ou nada se tinha publicado online e
de modo a que as actuais gerações pudessem ter acesso.
Após
muitos avanços e recuos ao longo dos últimos meses, fica hoje cumprida a promessa
de versar sobre trupes.
Nota: importará, em muitos casos, passar os olhos pelas
notas explicativas de rodapé (no final do artigo).
Dos Ranchos às
Troupes
Como refere Lamy (1990), com
base no estudo de Maria Eduarda Cruzeiro (1979), as trupes serão sucedâneas dos “…ranchos de triste memória do séc.
XVIII e inícios do séc. XIX – o Rancho da Carqueja (1720-1721), O Rancho dos
Doze (1737), o Novo Rancho ou Súcia (1803) ”.
Estes bandos não passavam de
grupos de meliantes, agindo com profunda violência, à margem da lei e da moral,
constituídos de estudantes ou participando outros disfarçados de tal[1], com o
único intuito de se aproveitarem dos benefícios do foro académico, cuja lei
própria era costumeiramente mais branda.
Olhemos então para o termo e
seus diversos significados e contextos:
“Rancho – 1 grupo de pessoas reunidas
para determinado fim, esp. Em marcha ou jornada <r. de peregrinos>; 2 grupo de trabalhadores contratados
para qualquer serviço, esp. Agrícola <vindimadores>; 3 ETN grupo folclórico; 4
DNÇ ETN MÚS B, conjunto de pessoas que representam pastores e
pastoras nas festas tradicionais de reis; 5
DNÇ MÚS RJ grupo de foliões que, no carnaval, dançam e cantam pelas
ruas ao som de instrumentos de percussão, de sopor ou eléctricos; 6 MIL grupo de militares que fazem as suas refeições em comum; 6.1 MIL
a alimentação fornecida / comida; 6.2
MIL local em que é servido o rancho; (…) 8 Comida para grande quantidade de pessoas; 9 acampamento onde se alojam os ranchos – ranchada; (…) 11 habitação precária, pobre, choça,
choupana. (…)”[2]
Percebe-se, pelo que acima
ilustrámos, que o termo “Rancho” é designativo de um grupo de pessoas
associadas para um determinado propósito, havendo um misto de grupo de foliões
com um cariz belicista e nómada. São pois vários destes grupos, constituídos
por estudantes (e/ou não só), que irão ganhar fama pelos motivos menos dignos e
expressar, num registo exacerbado, toda uma cultura de violência levada ao
extremo, numa sociedade, também ela, nada pacífica.
O contexto da época era o de
uma sociedade violenta e, a propósito, recuperamos o seguinte, que publicámos
no artigo que dedicámos já ao “Foro Académico” (e que importará ler AQUI, para perceber melhor):
"A sociedade da época apresentava um elevado
teor de violência e a vida estudantil não era excepção. Não admira, pois, que
surjam na amostragem em estudo numerosas agressões físicas.
Os estudantes feriam mulheres, mas
sobretudo homens, maioritariamente outros estudantes, fosse por que motivo
fosse, até mesmo
por acidente, recorrendo a diversos
tipos de armas, desde simples paus e pedras a facas e punhais. Faziam-no de
dia e de noite, sozinhos ou em bandos, deixando ou não sequelas físicas na
vítima. Para além dos colegas, os
estudantes agrediam outro tipo de pessoas, até mesmo mulheres. Agiam sozinhos
ou em grupo. Faziam as clássicas emboscadas: "o forão esperar na Rua
dos sapateiros da dita cydade e com armas ofensivas e defensivas como erão
punhaes facas e paus lhe derão hua ferida na cabeça e outras pancadas pelo
corpo".[3]
Assim
aconteceu com um estudante, vítima de um grupo de que fazia parte Jorge Pinto,
perdoado em 1621. Feriam de dia e de noite. O leque de motivos para as
agressões era vasto, desde o alegadamente acidental até à troca de
palavras."
Coimbra no séc. XVI (em baixo, ao centro, dois estudantes). |
O
grau de violência e ocorrência de desacatos e crimes, perpetrados ao abrigo do
foro académico, levou a múltiplas publicações legislativas reitorais e do
próprio governo da nação, visando regrar e conter os excessos estudantis e
quaisquer outros protagonizados por futricas disfarçados de estudantes.
Recordamos, uma vez mais que
“Houve épocas, sobretudo
nos primeiros séculos, em que se matriculavam também pessoas alheias ao estudo,
com vista apenas a gozarem do foro académico, como os boticários, arrieiros,
artesãos, donos de pousadas e provedores de estudantes, etc., até a Coroa
acabar com este abuso".[4]
Em
1674 uma lei proíbe o uso da capa pela cabeça, por se considerar que o
“embuçamento” impede o fácil reconhecimento dos autores dos «graves excessos e
atrocíssimos crimes» que então assolavam a cidade de Coimbra. Embora essa lei
visasse especialmente os estudantes, o texto da lei indica que a proibição é
extensiva a toda a gente:
“(...) nenhuma pessoa de
qualquer qualidade ou estado que seja, assim estudantes como os que o não
forem, possam pôr a capa pela cabeça, nem trazer barrete e todos usem chapéu.”[5]
E
já antes, note-se, os Estatutos de 1431 continham disposições relativas à
manutenção dos «bons costumes» dos estudantes. Posteriormente, os Estatutos
Manuelinos reforçam e estendem disposições desta natureza, incluindo a
proibição do porte de armas. Teófilo Braga[6]
referia que, ao tempo da fundação da Universidade, à semelhança do que sucedia
noutras universidades da época, e mesmo posteriormente, os estudantes seculares
das universidades usavam espada para se distinguirem dos estudantes clérigos.
Como
se percebe, se há algo que nunca fomos, de facto, foi um “país de brandos costumes” (como poderão AQUI verificar, em precioso artigo da Revista Visão), aliás bem sabemos que, nos
primórdios, a constantes mudanças da Universidade entre Lisboa (onde
inicialmente é fundada a Universidade em Portugal) e Coimbra tinham muito a ver
com a reacção da população aos distúrbios constantes da populaça estudantil.
Segundo
António M. Nunes, contrariamente ao que se possa pensar, esta violência
ritualizada, e veementemente condenada desde o iluminismo, pouco ou nada se
distinguia das troças com que os fidalgos mimoseavam os vilões e as raparigas
do povo; das penalidades infamantes vigentes nos Forais e Ordenações até ao
advento do Liberalismo; da defesa da honra entre rapazes de aldeias rivais; da
exercitação da vingança privada nas comunidades rurais.
São
disso exemplo as latadas aos recém-casados e nubentes viúvos; as cornetadas à
porta das adúlteras; os chocarreiros testamentos da Serração da Velha e Queima
do Judas; o deitar pulhas, os entrudos porcos com arremesso de cinzas, ovos
podres e tripas; as pancadarias dos habilidosos manejadores de paus em feiras e
romarias; os insultos acompanhados de murros, taponas, escarros, sinais
obscenos, palmadas nas nádegas; a coroação e sermonário dos maridos
cucos/cornos.
Em
1689, devido a um incidente mortal (um estudante mata um homem da vara do
meirinho) é proibido uso de pistolas dispondo-se, igualmente, um conjunto de medidas
punitivas específicas para os estudantes, como a expulsão definitiva da
Universidade[7] para os
alunos que as possuíssem ou simplesmente as tivessem em casa. Também se podia
ler na lei que era condenado à perda de dois anos para os que usassem outras
armas, “ainda que não fossem defesas”, cumulando estas penas com as penas
previstas em leis gerais do Reino, "conforme às quais os prevaricadores
deveriam “ser sentenciados"[8]
Estamos,
de certo modo, perante grupos (os designados “Ranchos”) que, muitas vezes a
pretexto de praxes (o termo correcto é “investidas”) aos caloiros se acometem
contra a própria população, umas das razões pelas quais os estudantes e os futricas
iniciarão um longo e conturbado período de hostil (e muitas vezes mortal)
relacionamento.
Sobre
estes famosos ranchos, diz-nos Maria Eduarda Cruzeiro[9]:
“Verifica-se, por outro
lado, que os costumes relativos aos caloiros, que vêm a constituir, como vimos,
o conteúdo quase exclusivo do termo praxe em sentido restrito, são designados
por termos próprios.
Assim, investidas (a
novatos) é o termo usado, pelo menos, desde inícios do século XVIII, quer em
documentos oficiais, quer em escritos literários.
No texto da sentença de
condenação de um estudante, chefe de um bando célebre pelo exagero das suas
violências - o Rancho da Carqueja[10],
é citada uma investida:
“Mostra-se
outrossim que, entrando em casa de uns
novatos cinco homens, quatro mascarados, era o quinto o réu sem máscara, e
buscando positivamente a um novato (...), o mandaram despir nuy e lhe deram muitos açoites com umas disciplinas,
de que correra sangue, e muita palmatoada, e lhe cortaram o cabelo rente pelo
casco; (...)”[11]”
E continua, mais adiante:
“Ocasionados
pelos mais variados pretextos, incluindo
as investidas aos novatos, como atrás se viu, as desordens e
crimes não deixaram de existir
ao longo do século XVIII.
Os mais famosos são os do já citado Rancho da
Carqueja, relatados
no extenso texto da sentença de morte do estudante Jorge Aires, considerado o
cabecilha mais responsável[12].
Logo após a
prisão dos membros do Rancho, em Fevereiro de 1721, novos incidentes se
verificam em meados de Março, o que leva à publicação da provisão régia de 4 de
Abril de 1721, ressuscitando a aplicação das anteriores provisões cujos
resultados não pareciam ter ido ao encontro das suas intenções morigeradoras.
Um romance histórico em torno do Rancho da Carqueja, que pode ser lido AQUI |
Pelo texto desta provisão é-nos dado ver como
se comportavam os estudantes, andando «de dia e de noite com capotes por toda a
parte, com espadas e outras armas debaixo do braço, e muito embuçados, e outros
afectando assim com cabeleiras trazer a cara descoberta, obrando solturas e
intimidando a toda a pessoa como é notório [...]»[13].
Pouco
depois, novos sucessos são objecto de nova provisão (de 24 de Julho de 1721),
indo-se nesta até à derrogação pontual do privilégio do foro privativo: «[...]
sendo-me presente que na ocasião dos touros que houve no Mosteiro de S.ta
Clara, [...] se mascararam alguns estudantes, que juntos foram em um dia
insultar o juiz de fora e em outro ao corregedor da comarca, que, vendo o
excesso dos ditos mascarados e intentando prendê-los, estes lhe resistiram com armas de fogo e lhe feriram um alcaide;
e que, não obstante a resistência, o dito corregedor prendera nove dos
mascarados, fui servido resolver que o corregedor tirasse logo uma exacta
devassa, e que, sem embargo de os mascarados serem estudantes, não remetesse os
presos nem as culpas ao conservador seu juiz privativo, derrogando por esta vez
os privilégios dos ditos estudantes, como protector que sou da mesma Universidade,
sem embargo das razões que em carta de 27 de Abril passado me representastes
sobre esta matéria[...]»[14]
Apesar do
castigo exemplar que foi o do chefe do
Rancho da Carqueja, degolado a 20 de Junho de 1722, em Lisboa, com o
complemento sinistro da exposição da cabeça em praça pública em Coimbra, há
referência a um novo rancho em 1737, em provisão régia de 12 de Julho. Este
rancho era composto por doze estudantes, «com clavinas, pistolas, manguais e
outras semelhantes armas», que «andavam
rondando as ruas [...] e, o que mais era, fazendo esperas a outros estudantes,
que, levando-os a partes escuras, os obrigavam com violência a fazerem acções e
actos torpes[15]
tomando
esta ousadia de não ter na Universidade inteiro cumprimento a lei novíssima que
proibia as ditas armas, e de abuso de capuzes e carapuças de rebuço [...]»[16]
Era esta a
situação tão vivamente criticada por Ribeiro Sanches e Luís António Verney. O
primeiro não esconde a relação que vê entre esta vida dos estudantes e a
decadência pedagógica e institucional em que a Universidade se encontrava,
parecendo-lhe urgente uma completa reforma dos estudos e da disciplina.
Realizada a
reforma em 1772[17],
este estado de coisas não sofre, no entanto, uma radical transformação. D.
Francisco de Lemos, o reitor-reformador, encarregado da vigilância na
actualização dos novos Estatutos, apesar de referir a melhoria provocada por
estes, nos primeiros tempos[18],
não pode deixar de confessar que, passado algum tempo, se verificou uma
recaída, à qual tentou obstar pedindo a aplicação de penas disciplinares,(…).”[19]
Pelo
século XIX adentro, são inúmeros os casos de violência perpetrada por bandos de
estudantes. Um dos grupos organizados mais violento era proveniente da
República do Carmo, composta de estudantes que residiam na Sofia, no antigo
colégio do Carmo, e deles se dizia que:
“Até de dia andavam
armados de punhais, e cometeram vários crimes. No começo do ano lectivo de
1838- 1839 foi assassinado o Dr. Serafim, professor do Colégio das Artes; em 20
e 21 de Maio daquele ano houve facadas, tiros, arrombamentos, completa anarquia
em toda a cidade. Um lente de Medicina, o Dr. Cesário Pereira, foi gravemente
ferido com dois tiros, na noite de 30 de Junho de 1839; dois lentes de
Filosofia, os drs. Pinto de Almeida e Pereira de Sena, foram insultados e
ameaçados.
Em 1841, na noite de 26
de Dezembro, foi morto pela força pública, agredida, um dos da quadrilha. Esta
desfez-se pouco depois, em Janeiro do ano seguinte.”[20]
Archeiros da UC, Sala dos Archeiros. As últimas 2 figuras são a de um Bedel e a de um Guarda-Mor |
Como
sabemos, o “foro académico” é extinto em 1834[21],
mas cedo se viu da necessidade de conferir à Universidade meios próprios para
zelar pela disciplina, vigilância e defesa das instalações, corpo docente e
discente.
Em
1839 é, pois, criada a Polícia Académica (Regulamento de 25/111839-1910) e o
respectivo Regulamento Disciplinar.
Uma
das primeiras incumbências deste corpo policial passa a ser o patrulhar da
cidade, especialmente o perímetro da Alta (cidade universitária), bem como
suster os desacatos provocados pelos estudantes
A
Polícia Académica e civil nunca tiveram mãos a medir perante a brutalidade por
vezes demonstrada pelos estudantes, alguns dos quais eram verdadeiros bandidos,
mais importados numa vida dissoluta e de crime do que no estudo. Respondia,
pois, muitas vezes com enorme firmeza:
“Na noite de 26/12/1841,
uma patrulha do corpo de segurança fuzilou pelas costas José Costas Lobos, terrível facínora
estudante do 3º ano
[pelas costas por estar em fuga]”[22].
Sabemos
que, em 1854, o patrulhamento da cidade era organizado em 3 rondas, tendo os
archeiros ordem para obrigarem os estudantes a recolherem a casa após o toque
vespertino da “cabra”[23].
Cada turno era assegurado por 6 soldados e um a dois archeiros[24]
Em
1855, por determinação de 12 de Julho, o espaço destinado pelo regulamento da
polícia académica para o encarceramento dos estudantes prevaricadores é fixado
no coro do Colégio de S. Francisco (também apelidado de Colégio de S.
Boaventura[25]).
Sabemos que, em 1858, vários “troupistas” foram hóspedes da prisão académica
durante 8 dias, entre os quais os bem conhecidos Antero de Quental e Alberto
Sampaio.A prisão académica no colégio de boaventura |
Várias proibições,
condenações e prisões requentaram um profundo ódio à Polícia Académica, à sua
prisão e ao regulamento disciplinador, ao qual erradamente os estudantes (e até
a população) continuavam a chamar de “foro académico”[26] e que
só terminará com a sua extinção, pelo decreto de 23 de Outubro de 1910 que
mandou “passar para as justiças ordinárias todos os casos que, até agora, eram regulados pelo foro académico da mesma Universidade”[27]. São
múltiplas e continuas as manifestações (protestos, cartas, artigos em
periódicos, petições…) contra a mesma, pedindo a sua abolição.
“(…)no
dia 3 de Maio de 1873, pelas 8 da noite, junto do Castelo, foi cortado o
cabelo, à força, a um estudante. Este, logo que se viu livre dos agressores,
atirou contra o grupo uma pedra, que feriu mortalmente um deles.”[28]
Das Troupes às
Trupes
“Trupe, ou
troupe, à francesa, como ainda se escrevia no 1.º quartel deste século, era um bando embuçado (capa pela cabeça,
torcida atrás, com o nariz escondido e só com os olhos descobertos) e armado de
moca, colher de pau, tesoura que, depois das 6 horas da tarde, andava pelas
ruas de Coimbra em busca de caloiros e bichos [alunos do liceu] para lhes
cortar o cabelo ou lhes dar bôlas[29].”[30]
Nesta definição de Lamy,
verificamos que o termo diz respeito, pois, a um grupo equiparado a uma milícia
(natureza para-militar) e que se caracteriza por agir sob anonimato.
A razão desse anonimato?
Trupe - O Gorro, Jornal dos Alumnos do Lyceu de Coimbra, 1º Anno, 4º número, 26 de Dezembro 1909, p.5 |
Muito simples: impedir a
identificação dos componentes do grupo perante as autoridades (polícia,
archeiros), a população e as próprias vítimas. Com efeito, sendo grande parte
das práticas das trupes de natureza ilegal (por vezes criminal), perante a lei
(ou regulamento disciplinar), havia a precaução de evitar denúncias ou
identificação de qualquer membro do grupo.
Daí deriva a ideia, hoje
observada[31], dos
trupistas terem de trajar de modo a esconder quaisquer partes brancas,
permitindo, assim, fazer com que o grupo dê menos nas vistas na penumbra da
noite[32].
O termo “Troupe” (e depois
“Trupe”) parece ter sido adoptado já na segunda metade do séc. XIX, muito por
influência, supomos, militar, nomeadamente pelas experiências dos Batalhões
Académicos[33].
Contudo, praticamente só em Coimbra o termo era especialmente atribuído aos
grupos estudantis que praxavam caloiros (e na senda dos “Ranchos”, surge também
associado a “grupo de sequazes”), dado que, fora dessa geografia, era comumente
utilizado para designar outros tipos de grupos ou, então, com alguma sinonímia
ao termo “Estudantina”, ou seja, grupo de estudantes “tout court”.
Caloiro sob trupe (foto diurna, pois era para publicar em Bilhete Postal Ilustrado) in Illustração Portugueza, II Série, Nº 302, de 04 Dezembro 1911, pp.711 (Hemeroteca Municipal de Lisboa). |
“Trupe
– 1 conjunto de artistas,
comediantes, de pessoas que actuam em conjunto <t. de malabaristas>; 2 p. ext. companhia de
teatro; 3 pej. grupo de
sequazes; BEI.LIT grupo de estudantes de Coimbra.
* ETIM fr. Troupe (1178) grupo de
animais, (C. 1220) reunião fortuita ou organizada de um número expressivo de
indivíduos, deslocando-se juntos ou livrando-se à mesma actividade, (1477)
reunião de homens de armas, constituindo uma formação pronta par ao combate,
(1662) conjunto de comediantes ou de artistas que actuam em conjunto, (1862) força militar ou força pública
encarregada de manter ou restabelecer a ordem. Der. regr. de troupeau –
rebanho (…).”[34]
Nota1: da palavra francesa troupe (no sentido militar
“Les troupes” – as tropas), deriva a nossa palavra “tropa”, por síncope da
vogal U.
Nota2: interessante a aproximação entre Rancho e Trupe,
como significando, ambos, grupo de foliões, neste caso estudantis, no Carnaval,
como se demonstra:
“As tunas nascem em Espanha em fins do séc. xix, derivando das trupes carnavalescas que pretendiam recriar a
antiga prática universitária das bigornias”[35]
“A Tuna Estudiantina, trupe
de estudantes que costuma percorrer as ruas da nossa cidade nos dias de
Carnaval, deu início aos ensaios (…)”.[36]
“Pormenor curioso – que não se sabe se ligado, de alguma
forma, aos componentes da tuna, durante o seu breve interregno – é o facto de,
em Viseu, ter havido um espectáculo dado
em honra de uma «Troupe Académica de Coimbra»[37],
com várias récitas que encheram o Grémio local, e com os estudantes de
Viseu e a população (com muitos populares a afluir da vilas circunvizinhas) a
«não se pouparem em sacrifícios para serem agradáveis à trupe de Coimbra.[38]
(…)
“Na capital, temos notícia da existência de diversas
tunas e estudantinas, a par com outros grupos similares, como é o caso, por
exemplo, da Troupe[39]
Freitas Gazul, caracterizada como «bando de rapazes novos, todos músicos
habilíssimos», cujos membros se trajavam como os tunos espanhóis,
segundo legenda sob estampa de Bordalo Pinheiro na revista O António Maria[40].
Este grupo, diga‑se em abono da verdade, gozava de enorme prestígio. Com efeito,
são várias as referências a trupes, algumas com assumido profissionalismo, em
tudo semelhantes – por vezes até na indumentária – às estudiantinas espanholas,
como que constituindo uma espécie homóloga das comparsas carnavalescas do país
vizinho.” [41]
Do Modus Operandi das Trupes.
Como agiam as trupes de
antanho?
Nada como mergulhar numa
viagem ao passado e percorrer os muitos testemunhos de quem viveu, assistiu e
narrou essas experiências.
“
Em 1900, livrei-me, muito milagrosamente, de ser apanhado por uma troupe.
Uma trupe - Coimbra -P Borges, 1911 BNP, PI-5882-P |
-
O que era uma troupe?
-
Era um grupo de estudantes, embuçados
nas capas para não serem conhecidos, composto ordinariamente por “semiputos”,
“pés de banco” e “veteranos”, que, à noite, depois do toque da “cabra”, andavam
a ver se algum “caloiros” ou “bicho” aparecia pelas ruas, castigando aqueles
que apanhavam sem protecção, com uma colher de pau que fazia de palmatória, e
com corte do cabelo.
O
pior era o corte de cabelo, não só por causa da figura com que se ficava, de
cabelo cortado à escovinha, mas
também porque os “Lentes” ficavam tendo-os [aos rapados] na conta de “Cábulas”.
(…)
Eram
10 horas da noite, ia eu para casa, na rua Oriental de Montarroio, quando vejo
dirigir-se a mim uma troupe.
Olhei
em volta e, felizmente, vi duas senhoras, que soube depois serem mãe e filha.
Dei
um salto, meti-me no meio delas, e cumprimentei-as em voz alta para ser ouvido
pelos da troupe; disse-lhes a seguir que me desculpassem o atrevimento e
pedi-lhes licença para as acompanhar até casa a fim de assim me salvar da
troupe, que já vinha a seguir-me.
Como
as senhoras e as pessoas de respeitabilidade podiam proteger, lá me livrei de “colheradas” e do corte de
cabelo”.[42]
Diz-nos Rui Salinas Calado
que:
“Por
mero acaso nunca me fizeram uma troupe, nem apanhei, nem dei o meu canelão à
Porta Férrea.
Livrei,
protegendo-os, alguns caloiros e uma noite ia a passar no Largo de Santa-Cruz
quando vi um grupo de estudantes
embuçados, esperando um caloiro aflito, que estava na pastelaria do
velho Marques.
O
caloiro, muito bom rapaz, era filho do General T… de uma distintíssima família
da Beira Alta, que eu conhecia de várias festas; corri, pois, a protegê-lo, invocando a minha qualidade, suficiente
de veterano.
Para
lhe fazer, porém, uma partida, fui à cozinha, convenci o Marques a emprestar-me
uma colher de pau ainda suja de marmelada, cheguei-me ao caloiro, pedi-lhe a
mão, esfreguei nela a colher cheia de doce e mandei imperativamente: agora
cheire!
O
rapaz, hoje, um ilustre oficial de engenharia, convencido que não era
propriamente de doce que a colher estava suja, não teve coragem para obedecer,
e lá foi comigo, bem protegido, passando
incólume pelo meio dos troupistas de mão estendida e afastada do corpo,
como se estivesse empestada, e creio que ficou sempre convencido que a
substância mole e espessa da colher, em vez de marmelada, era pelo contrário,
uma substância muito pouco desejável.”[43]
Um
outro testemunho assaz interessante, refere-se às tropelias do “Pad’Zé”, figura
mítica na Coimbra de 1895 a 1904, narradas por um colega seu:
“Quando eu vivia na
Ladeira do Seminário com o José de Almada, ao lado da casa do Bacelar e do José
Perestrelo, organisámos algumas vezes
uma troupe terrível.
Simulacro de um rapanço e de uma ida às unhas ao caloiro. (os estudantes posando para Bilhete Postal Ilustrado) ca. 1911 |
Projectávamos
assaltar os viandantes que transitassem a deshoras pelos logares mas solitários
das cercanias. Corríamos embuçados, armados de espadas e pistolas, punhais e
caveiras, ao longo da alamêda que ladeia o Jardim Botânico, pela rua Tomar,
pela Estrada da Beira… O Pad’Zé ia sempre de cara descoberta. Em vez de capa
pela cabeça, uma toalha turca, amarrada em forma de turbante, compunha-lhe o
distintivo de chefe. Era o primeiro a avançar resoluto,
quando comandava.
Algumas vítimas,
julgando-se em perigo, fugiam apavoradas; outras preparavam-se para a lucta,
dispondo-se a vender cara a sua resistência ou rendição. Por fim a gargalhada
lutherana do Pad, seguida do nosso riso, era a única fusilaria que estrondeava,
quer se pusessem em fuga, quer tentassem heroicamente bater-se connosco.
Uma noite, perto do
seminário, defronte do caminho que vai `às Ursulinas, cahimos ameaçadores sôbre
alguém que parou nobremente e o ataque. Essa figura venerável viu-se rodeada de
espadas e pistolas, apontadas ao peito, aos braços, e às costas. A caveira,
saindo de uma capa negra, rasgava a alvura do seu riso macabro em frente do
rosto do caminhante. O Pad autoritário interrogou:
- Quem é? Donde vem?
Para onde vai?
- Sou o Bispo de
Bragança, respondeu o prelado com serenidade.
- V. ex.ª póde seguir,
ordenou cortesmente o chefe, enquanto nós abríamos alas áquêle português de lei
que, imperturbável, sem a mais simples contracção nervosa, nos desarmara com a
sua placidez.
As
espadas, os punhais e as pistolas eram de facto inofensivas, sucata ferrugenta,
incapaz de contundir qualquer tecido animal; mas quem fosse surpreendido à
noite, na escuridão, por aquêle encontro, é que não podia ajuizar de chofre do
estado do armamento.”[44]
Trindade
Coelho narra-nos, no seu In Ilo Tempore
(1902), que
“A brincadeira das
troupes é muito estúpida, e eu em poucas entrei. A mim cortou-me uma o cabelo à Porta de Minerva, uma vez que eu ia para
casa ao anoitecer e não levava lunetas porque se me tinham partido esse dia
no Seminário, numa refrega com os formigões (seminaristas) – e por isso só a vi quando lhe estava nas unhas, e o
tesourão em cima da minha cabeça e à roda de mim a malta silenciosa dos
embuçados, todos de moca para que eu não resistisse…
Trupe em 1926. |
Não resisti; mas como
quer que conhecesse por acaso o que me cortou o cabelo, logo me deram o empurrão
para me ir embora, apanhando-me a distância e digo-lhes assim, debaixo de um
chuveiro de mocas:
- Raça de pulhas!
Quartanistas que fazem troupes em vez de proteger! Pois rogo a praga ao que me
esmodou[45]:
- “que fique reprovado no fim do ano!” (…)
Depois de nos cortarem o
cabelo, a gente tinha de ir ao barbeiro essa noite, protegido por algum
quartanista ou quintanista para se livrar das palmotoadas (castigo das troupes
aos já esmonados[46]) e ainda davas seis
vinténs ao barbeiro para acabar a operação! E até o Fígaro se ria de nós, e a
troça à cabeça pelada durava na Universidade uns poucos de dias, - e um lente do 1º ano, o Bernardo de
Albuquerque, marcava os esmonados na caderneta e reprovava-os no fim do ano!
Comigo não falhou a regra.”[47]
Pese
embora esta última referência (e que Diamantino Calisto também refere) a um
lente que tomou a tonsura da trupe como sinal de infracção ao estudo
(presumindo que o novato estava fora de horas na rua, quando deveria estar a
estudar),secundando-a,
desta vez, num castigo formal, não temos como afirmar que todos os professores
fizessem o mesmo. Mas se esses o fizeram, temos de convir, que é porque tal
prática, mesmo que, porventura, à revelia do regulamento em vigor, na prática,
era ainda comungada pelo corpo docente e vista como parte essencial do processo
educativo e formativo.
Seja como for, comprova-se que ainda estava
profundamente enraizada a matriz secular do recolher pedagógico dos alunos e aceite
a sua necessidade para a formação e disciplina dos jovens, por parte dos
lentes, especialmente quando se conheciam as suas desbragadas formas de ocupar
os tempos livres, nas suas surtidas à baixa (jogo, tabernas, casa de
alterne…..), que já muitos faziam à futrica (desde 1834, com a abolição da
obrigatoriedade do traje fora da Universidade).
“Uma trupe embuçada à
sua maneira, a capa sobre a cabeça, fazendo gorro, torcida atrás e traçada por
cima do nariz, deixando espreitar só os olhos. Viam-se as grandes colheres de
pau e as bengalas penduradas debaixo das capas”[48]
Note-se
o pormenor curioso do uso de bengalas, referido pelo autor.
As Trupes
sucedâneas da Polícia Académica?
Como pudemos evidenciar, as
“troupes” eram, na verdade, sucedâneas dos “Ranchos” e também elas fugiam da
Polícia Académica, camuflando-se os seus membros o mais que podiam, com recurso
à capa pela cabeça (“embuçamento”) e procurando não serem notadas durante as
suas deambulações pela cidade.
Não há pois como dizer que
têm origem na Polícia Académica, se existiram ambas (e não uma depois da
outra), nem sentido faz, tendo em conta que sabemos que as trupes procuravam
agir, precisamente, à revelia da polícia, escondendo-se e fugindo desta, mal a
viam.
Convirá ainda referir que o recolher obrigatório e o policiamento em torno do mesmo, pro parte da Polícia Académica, visava não propriamente garantir o estudo dos alunos, mas sobretudo evitar que causassem desacatos na baixa, junto dos populares. Com efeito, rixas, problemas em casas de alterne, desavenças e perturbação da ordem pública eram frequentes quando os estudantes iam gastar tempo nas tabernas, no comércio e junto de certas senhoras de vida "duvidosa" (para não falar dos "corredores de saias" que punham em causa a honra de muitos maridos), sobretudo quando a paciência dos comerciantes se esgotava por causa fiados nunca saldados, roubos e calotes.
Portanto, dizer que o recolher era para promover o estudo, é mais no plano do do "fica bonito dizer", mas as razões eram muito mais mundanas.
Convirá ainda referir que o recolher obrigatório e o policiamento em torno do mesmo, pro parte da Polícia Académica, visava não propriamente garantir o estudo dos alunos, mas sobretudo evitar que causassem desacatos na baixa, junto dos populares. Com efeito, rixas, problemas em casas de alterne, desavenças e perturbação da ordem pública eram frequentes quando os estudantes iam gastar tempo nas tabernas, no comércio e junto de certas senhoras de vida "duvidosa" (para não falar dos "corredores de saias" que punham em causa a honra de muitos maridos), sobretudo quando a paciência dos comerciantes se esgotava por causa fiados nunca saldados, roubos e calotes.
Portanto, dizer que o recolher era para promover o estudo, é mais no plano do do "fica bonito dizer", mas as razões eram muito mais mundanas.
Neste caso, existe um fundo
de lógica, embora tenha sido deturpado, a ponto de se confundir o rabo com as
calças.
Com efeito, e segundo Carlos
Caiado[49]
“Nos
finais do séc. XIX (1883), findaram as rondas da Polícia Académica. Os
estudantes “em trupe”, resolveram substituir a Polícia Académica nas suas
rondas à cidade, após o toque do sino da Torre da Universidade.”
Trupe praxando um caloiro In Estudantes de Coimbra e a sua Boémia, Ilustração, Ano 6, Nº 141, de 01 Novembro de 1931, p.22 (Hemeroteca Municipal de Lisboa). |
O
que sabemos é que, a partir de 1883, existe uma redução de competências e
privilégios, por pressão que a sociedade vinha exercendo contra o fim daquilo a
que ela chamava de “foro académico (que, como vimos, afinal não existia já
desde 1834), ou seja, existia uma cada vez menor tolerância aos desacatos
estudantis, pois
que ainda muitos dos mesmos eram resolvidos internamente (à luz do regulamento
disciplinar da Universidade), considerando-se, por exemplo, que muitas
infracções mereciam penas mais duras do que o encarceramento na prisão
académica (que, na verdade, nessa altura, era algo já pouco duro – os presos
recebiam visitas, víveres, e até estudantinas vinham tocar à janela dos presos
– e era antes visto como um feito heróico [50]).
Em
finais do séc. XIX, como vimos, a Polícia Académica restringe as suas rondas e
patrulhas ao perímetro da cidade Universitária, propriamente dita, espaço aliás
onde ainda era obrigatório o uso de uniforme docente e discente.
Tal
medida permitiu aos estudantes uma maior liberdade de acção, multiplicando-se
as trupes que, a partir dessa altura, deixavam de estar tão vigiadas e
“perseguidas”, pese embora não a salvo da polícia civil, convém sublinhar.
O Papel
"Pedagógico" das Trupes
Um
dos muitos argumentos usados para justificar a existência das trupes era o seu
paternalista cuidado em zelar pelo estudo dos caloiros, procurando garantir que
estes não se habituavam demasiado cedo a “maus vícios”. Assim, alegavam que, na
falta de uma autoridade que impusesse disciplina, alguém (eles) a teriam de
garantir.
Como
é bom de ver, tal argumento é um verdadeiro contra-senso, pois, como vimos
acima, se, por um lado, a sociedade pedia o fim do “foro académico”, por outro
os estudantes também sempre estiveram contra a Polícia e o Regulamento
Disciplinar.
Na
verdade, os estudantes usavam o mesmíssimo argumento que sempre tinham
condenado, a pretexto de poderem mais livremente praxar os novatos.
O
que lhe terá conferindo um certo ascendente e áurea de legitimação foi o facto
de alguns docentes, como anteriormente explicámos, terem, muitas vezes,
secundado e apoiado este tipo de auto-regulação, ao penalizarem os alunos que
apareciam nas aulas rapados, ou seja, promovendo o poder e autoridade dos
alunos mais velhos, na ideia de que estariam, de facto, interessados em que os
colegas mais novos fossem estudiosos e fossem afastados de quaisquer tentações
“pecaminosas” ou contrárias à ideia de um estudante sério, estudioso e
responsável.
Caloiro alvo de praxe (no que parece ser um rapanço) In "Estudiantes de Coimbra", Revista Estampa Ano 9, nº 437, 30 Maio 1936,.Madrid. p.3 |
Contudo,
e contrariamente à Polícia Académica, que exercia o seu ministério repressivo
sobre toda a comunidade estudantil, as Trupes passaram apenas a exercer uma
forma mais circunscrita de repressão, desta feita sobre aqueles que acabavam de
chegar e não sobre outros estudantes mais velhos, também eles a “vadiar” pela
cidade.
Mantinha-se, e garantia-se, também deste modo, a necessidade de afirmação corporativa e moralista que presidia à cultura estudantil herdada dos séculos passados e, como já o dissemos, muitas vezes com a conivência dos lentes.
Mantinha-se, e garantia-se, também deste modo, a necessidade de afirmação corporativa e moralista que presidia à cultura estudantil herdada dos séculos passados e, como já o dissemos, muitas vezes com a conivência dos lentes.
Aliás,
se atentarmos nos relatos da actividade das trupes nessa época, e até 1910, não
vislumbramos quaisquer intenções pedagógicas que assistiam ao Regulamento da
Polícia Académica ou quaisquer evidências da tentativa de imposição de “bons
costumes”, senão a continuação de práticas violentas e repressivas, bem mais,
muitas vezes, do que a exercida pela polícia e autoridades.
Em
nenhum dos documentos investigados encontrámos evidências de um intuito
pedagógico por detrás da existência das trupes, senão aquele que seria
entendido, porventura erroneamente, por alguns lentes.
E
mesmo após 1910, os incidentes graves, ligados a trupes, não desaparecem
totalmente, embora se tornem muito mais pontuais. Com efeito, Lamy (1990, p.
815) relata-nos que, em 1917, “a 17/11, à
noite, o caloiro Luís Figueiredo, defendendo-se de uma trupe, atingiu
mortalmente com um tiro de pistola o aluno do 4.º ano do Liceu António
Gonçalves Barata.”
Seja
como for, de tanto o argumento foi repetido que acabou por se incrustar no
ideário colectivo estudantil, e que códigos de praxe sucessivamente replicaram
como verdade insofismável.
Tipologia das
Trupes
“As trupes ordinárias eram desempenhadas por quartanistas, putos e
semi-putos, com um número não inferior a três doutores. O grau de puto era a
primeira dignidade que podia desempenhar a função de chefe de trupe, o
responsável dos actos de patrulhamento. Até ao natal, porém, só dois putos
podiam ser investidos em chefes de trupe; após as férias de Natal, um puto
simplesmente podia arvorar em chefe, visto usar das honras de quartanista.
A
partir de 27 de Maio, os caloiros tinham a faculdade de organizarem, contra os
bichos [alunos do liceu] trupes que não podiam percorrer a cidade por um espaço
de tempo superior a uma hora, em geral das 7 às 8 horas,
sob pena de bôlas por parte das trupes superiores[51].
Im meo tempore[52],
as trupes ordinárias erma grupos de três ou mais estudantes sem limite máximo,
subordinados a um ou mais chefes, que tinham de zelar pela observância da
praxe, no espaço de tempo que medeia entre o 3º toque vespertino da cabra e o
1º toque matutino do dia seguinte. Só podiam constituir-se após o 2º toque
vespertino da cabra.
A trupe tinha de estar
legitimamente chefiada (por dois putos da Faculdades diferentes, um dos quais,
pelo menos, de Medicina ou Direito,ou por quartanistas ou dotores de hierarquia
superior;”[53]
Para
além da constituição, as trupes passaram a apenas se poderem formar em locais
previamente determinados (Porta Férrea, porta da AAC ou porta de uma qualquer
reconhecida República) e passando a ritualizar tal, usando pequenos rituais
(como dar 3 batidas com moca ou colher na porta) e fórmulas (como o bem
conhecido “In nomem soleníssima praxis trupe formata est”).
Tinham
os seus componentes de estar de capa traçada (sem mostrar os colarinhos),
possuir (o seu chefe) as insígnias da praxe e não transportarem pasta de praxe,
livros ou outros quaisquer objectos (nem mesmo insígnias de praxe – só
permitidas ao chefe).
Um
dos aspectos curiosos das trupes ordinárias, era a possibilidade de com elas ir
um caloiro (deste que de livre vontade), que servia de “bufo”, ajudando a trupe
a melhor identificar os caloiros. Esse caloiro trupista, a quem era proibido
falar (apenas podia apontar), designava-se por “cão de fila” e era normalmente
rapado, caso a trupe não apanhasse qualquer caloiro nessa noite (uma forma de o
incentivar, certamente, a ser bom delator).
Trupe em 1940 |
Quando
um caloiro fosse apanhado, era-lhe perguntado o que ela era pela praxe (em
português, e nunca em latim macarrónico – só reservado a doutores). Mediante a
resposta, o inquirido era, então, colocado como estando “debaixo de trupe”,
sendo rodeado por todos os membros e sujeito a sanções (que tanto podiam ir do
mero gozo, passando pelas colheradas e rapanço).
Existiam
igualmente, segundo o Praxes de Coimbra (1925), trupes de quintanistas, de
República ou do Conselho das Repúblicas:
“..as trupes de
quintanistas eram temporárias, em média três por semana, havendo-as sempre ao
Sábado, e só respeitavam as três protecções invioláveis: de senhora, de militar
e de sangue (pai ou irmão).”[54]
Mais
tarde, o Código de 1957, determina que estas se formam na Porta Férrea, apenas
com fitados ao tempo e podendo levar consigo um semi-puto a servir de “cão de
fila”, e anunciando a sua saída com uma mortalha colada na Porta Férrea, na
qual se podia ler, em latim macarrónico, “Trupe
quintanistorum formata est”.
Já
as trupes de República eram formadas pelos moradores da mesma, caloiros
inclusive (caso os houvesse), e para a qual não havia protecção, conquanto, secundum praxis, a casa tivesse ficado
fechada à chave e vazia.
As Trupes do Conselho de Repúblicas eram formadas por todos os repúblicos que
tivessem estado presentes na reunião do Conselho das Repúblicas e também não
havia protecção para as mesmas.
O
1º Código da Praxe inventa igualmente o denominado “desdobramento da trupe”,
com a mesma a ser fraccionada para perseguir vários caloiros. No acto de
desdobramento, o chefe dessa nova trupe tinha apenas de proferir a fórmula “In nomen soleníssima praxis, trupe
desdobrata est”.
Trupes Extraordinárias e
Contra-Trupes
Quanto
às denominadas Trupes Extraordinárias, criadas no âmbito do código de 1957,
eram as que, obedecendo às características das demais se propunham, contudo e
excepcionalmente, executar durante o dia a sentença de algum tribunal de
república ou decisão do Conselho de Veteranos, criadas após o 3º toque matutino
da cabra e findando a sua vigência com a denominada “hora do caloiro” (o 1º
toque vespertino da cabra), hora a partir da qual reinavam as trupes
ordinárias.
Trupe em foto de António Bracons in A Académica, Edições ASA, 1995. (foto facultada por cortesia de João Baeta) |
Naturalmente
que colheres e mocas foram usadas com muito menos meiguice e simbolismo nessas insurreições
e manifestações, provando que, ainda na década de 1930, as trupes cometiam
muitos excessos.
Praxis
As
trupes subordinavam-se entre si segundo a hierarquia dos seus componentes ou do
seu líder, tendo surgido da prática do direito de reconhecimento, e de revista
às trupes, em finais do séc. XIX, ainda quando estas actuavam embuçadas, no
intuito de verificar se da trupe revistada não fazia parte nenhum caloiro.
Parecerá
estranho, mas o facto é que, nessa altura, muitos dos membros de uma trupe
podiam não se conhecer (até porque, depois de formada, muitos a ela aderiam ao
vê-la passar, bastando os estudantes embuçarem-se e pedirem para a integrar).
Obviamente que só um quintanista podia exercer tais prerrogativas:
“O
quintanista podia exigir que o chefe da troupe mandasse desembuçar aqueles que
quisesse conhecer.
O
reconhecimento por troupe era mais cerimonioso.
Quando
se encontravam duas trupes, os chefes destacavam-se, cruzavam as mocas e depois
de se darem a conhecer, apertavam-se as mãos.
Em
seguida, cada chefe indicava os trupistas que queria conhecer, desejo que era
satisfeito, apenas a chefes, pois, por vezes, os membros de uma mesma trupe não
se conheciam[55].
Pelas
Praxe de Coimbra (1925), todo o chefe de trupe tinha o direito de reconhecer
qualquer trupe que encontrasse, e cada trupe podia levar debaixo das suas
ordens dois caloiros, não podendo estes ser incomodados por uma segunda trupe.”[56]
Já
no tempo do Mata Carochas (na obra In meo
tempore) apenas veteranos possuíam direito de passar revista às trupes e sancioná-las,
se caso disso, excepto se a trupe fosse, também ela, chefiada por um veterano,
que interpunha “palavra de honra” em como a trupe estava “conforme”.
Tonsura a um caloiro, em desenho mural na Real República Rás-Teparta |
Tonsura de um caloiro por elementos de uma trupe. Pintura mural de finais da década de 1950 que existiu na extinta República dos Paxás |
Também
nessa altura se elevam alguns mitos à letra de lei protocolar, como a
obrigatoriedade da trupe usar capa traçada, considerando-se desfeita caso a
capa de algum elemento se destraçasse, apesar de tal nunca ter sido prática
antes. Dessa invenção, algo artificial, derivará outra, porventura ainda amais
estranha (ou mesmo descabida): que para praxar é preciso traçar a capa.
Já
no que concerne à aplicação de sanções, sabemos que elas acabarão reduzidas, a
um certo simbolismo, e longe das violências infligidas noutros tempos. Passam,
pois, pela colherada nas unhas e pela tonsura, a qual tanto pode ser simbólica
como chegar à modalidade “Ad Libitum”.
Claro
está, e convém recordar, que uma trupe apenas podia ter um caloiro sob trupe,
não servindo a mesma como uma forma organizada de mobilização, coisa contrárias
à própria tradição.
As Trupes
civilizam-se
A
partir da década de 1920/30, as trupes alteram significativamente o seu modus
procendi.
Os
Trupes embuçadas praticamente desaparecem, até porque tal é não apenas ilegal,
como visto como acto de cobardia.
Os
castigos infligidos reduzem-se em grau de violência e ritualizam-se, até à sua
cristalização, por meio da edição do 1º Código da Praxe, em 1957, o qual passa
a regulamentar e supervisionar a actividade das Trupes.
Se,
antes, as trupes se constituíam de forma algo espontânea e sem grandes
ritualizações, a partir de 1957 são estipulados um vasto conjunto de regras
(algumas artificiais – como o modo e local onde se formam) que visam
dar alguma organização a esses grupos e garantir algum ascendente sobre as
mesmas por parte do recém-criado Conselho de Veteranos.
Trupes Urbi et
Orbi
Com
a massificação do ensino superior e criação de novos centros universitários, e
na falta de tradições e precedente nos mesmos (ou pelo menos ignorando, muitas
vezes, a existência de uma praxis ligada a Coimbra, por intermédio do liceu
local), esses novéis burgos académicos adoptaram o código de Coimbra, com um “corte
e costura” mais ou menos cego, na exacta medida da ignorância dos costureiros e
alfaiates de ocasião.
Também
em muitos casos se copiaram as Trupes e se decalcaram os artigos a elas
referente, no código conimbricense.
Diremos,
para não nos alongarmos, que, grosso modo, foi uma adopção pouco pertinente.
Trupe - Colecção " Tradições Académicas de Coimbra" (1984) de um conjunto de 5 medalhas do escultor Cabral Antunes |
Na
verdade, e porque a Tradição é um processo de continuidades e rupturas, estamos
em crer que as trupes não fazem sentido nos tempos que correm, sobretudo fora de Coimbra.
O
moralismo paternalistas de castigar jovens, em razão de um recolher obrigatório, é baseado numa falácia. Com efeito, nunca foi propósito dos mais velhos zelar pelo estudo dos mais novos. Aproveitaram-se, isso sim, para criar mais uma forma de castigar caloiros e exercitar o desejo de fazer valer um ascendente de autoritarismo policial (expurgando, porventura, frustrações de uma educação severa em casa).
A ideia subjacente às trupes releva mais de lei marcial em regime ditatorial do que outra coisa. Com a desculpa de ocupar o espaço deixado vago pela polícia académica, desenhou-se uma cultura ardilosa: criar um couto de caça, sabendo que os caloiros sucumbem facilmente à tentação de sair à noite, como qualquer jovem Um direito que têm como cidadãos, mas que é lhes recusado pelos mais velhos, de radar preparado ao virar da esquina.
A ideia subjacente às trupes releva mais de lei marcial em regime ditatorial do que outra coisa. Com a desculpa de ocupar o espaço deixado vago pela polícia académica, desenhou-se uma cultura ardilosa: criar um couto de caça, sabendo que os caloiros sucumbem facilmente à tentação de sair à noite, como qualquer jovem Um direito que têm como cidadãos, mas que é lhes recusado pelos mais velhos, de radar preparado ao virar da esquina.
TRUPE (desenho de Santos Figueira, SF), in Roteiro de Coimbra, edição de 1945, Secção de Turismo da Câmara Municipal de Coimbra. (Cortesia de João Baeta) |
Reconhecemos
que, em Coimbra, mesmo que questionável a própria razão de ser, especialmente nos
dias que correm e numa sociedade de direito, as trupes constituem, contudo, uma
longa tradição que atravessou séculos e se tornou parte da cultura estudantil
local (mesmo que, na maioria das vezes, altamente reprovável e condenável.
As trupes, em abono da verdade, as trupes agiram sempre à revelia dos direitos e liberdades, mas sobretudo desde que Portugal é um Estado de Direito democrático. E embora estejamos longe dos abusos de antanho
e perante um fenómeno cuja acção é, cada vez mais, uma representação simbólica (que releva mais de romancismo histórico do que expressão de uma sociedade
efectivamente dada a comportamentos como os que, ao longo do artigo,
ilustrámos), as trupes não deixam de ser grupos em objectiva colisão com a Constituição do País e, por isso, de natureza e prática ilegais (atentando à liberdade de circulação, atentando à integridade, bem como aos direitos académicos da condição de estudante).
---------------------
Para
quem buscava algo mais sobre a origem e história das Trupes, esperamos ter
conseguido responder ao essencial.
[1] Em Lamy
(1990), é feita referência (pp. 796-797) que, em 1854, “o temido salteador João Brandão envergou uma capa e batina para, assim
disfarçado, perseguir os seus inimigos.”
[2] Instituto António Houaiss de
Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Temas e Debates, Lisboa,
T. III, Merr‑Zzz, p. 3600.
[3] BRAGA,
Paulo Drumond - Aspectos do quotidiano
Universitário no período Filipino - Estudos em Homenagem a Luís António de
Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 313-320.
[4] RODRÍGUEZ
Cruz, Águeda M. – Vida Estudiantil en la
Hispanidad de Ayer, citado por “QVID
TUNAE? A Tuna Estudantil em Portugal”. Euedito, Porto 2012, p.48
[5] Seguem-se as penas de
degredo, acumuladas, no caso dos estudantes, com a de expulsão da Universidade.
(Ver 0 Conimbricense, n.º 2221, de 7
de Novembro de 1868.)
[6] BRAGA,
Teófilo, História da Universidade de
Coimbra nas Suas Relações com a Instrução Pública Portugueza. Por ordem e
na Typographia da Academia Real das Sciencias, 1892-1902. 4 vols.
[7] Na
prática, segundo Mário Brandão, Estudos Vários, II, 1974) essa exclusão dita
“perpétua” era, na prática, por 3 anos.
[9] CRUZEIRO,
Maria Eduarda, Costumes estudantis de
Coimbra no século XIX tradição e conservação institucional. Análise Social,
Vol. XV (60), 1979 - 4º, p. 805
[10] Ver
António Francisco Barata, O Rancho da
Carqueja, s. 1., s. e. e s . d.; Joaquim Martins de Carvalho, Apontamentos para a História Contemporânea,
Coimbra,1868. Este rancho é igualmente referido num texto da Macarrónea (Palito Métrico), p. 166.
Ribeiro Sanches, nos seus «Apontamentos
para fundar-se hua Universidade Real [...]», que se seguem à exposição
sobre o Método para Aprender a Estudar a
Medicina. Por ordem da Universidade, 1959, também o menciona: «[...] quem se
lembra ainda das atrozes investidas, dos bárbaros excessos que cometeu o Rancho
da Carqueja nos anos de 1719 e 1720 [...]» (p. 114.)
[11] Citado por T. Braga,
História da Universidade de Coimbra nas Suas Relações com a Instrução Pública
Portugueza. Por ordem e na Typographia da Academia Real das Sciencias, 1892-1902.
4 vols., vol. in, p. 162.
[15] Mª
Eduarda Cruzeiro nota que “Eram certamente as trupes de caça
aos caloiros, o que fazia parte das investidas.”.
[17] A
reforma de 1772 estabeleceu o regime de frequência obrigatória às aulas e a
chamada à lição, a sabatina, entre outros exercícios escolares. Daí surgiram os
truques de jogar de porta, isto é, entrar na aula durante a chamada para não
apanhar falta, sair depois disfarçadamente atrás do bedel; e o de meter farpa,
isto é, pedir dispensa da lição ao lente com um bilhete alegando doença ou
outro motivo aceitável.
[18] Refere
a autora (em nota de rodapé) que “Os Estatutos da reforma pombalina
introduziram uma modificação importante, com algumas possibilidades de
repercutir favoravelmente sobre a melhoria dos costumes, a qual foi de
instituir exercícios nas aulas e exames no fim de cada ano dos cursos, ao
contrário do que antes sucedia, em que só havia exames no fim, para obtenção
dos graus académicos.
Não deixa, por outro lado, de ser um indicador de
mudança o facto de a frequência anterior à reforma rondar os 3000 alunos, sendo
apenas de 800 nos primeiros tempos depois dela.”
[19] CRUZEIRO,
Maria Eduarda, Op. Cit. , pp.
816-817.
[20] O
Conimbricense, 1878, nº 3:199, em artigo sobre a longa tradição violenta dos
estudantes.
[21]
Portarias de 23/5 (criação) e de 20/6 (homologação dos 29 artigos reguladores).
Os verdeais sucedem aos archeiros e a obrigatoriedade do porte da capa e batina
fica restrita ao Paço das Escolas e à zona intra-muralhas. Também são extintos
22 colégios de Coimbra, que serviam de residência a muitos estudantes.
[22] LAMY,
Op. Cit., p. 794.
[23] A Cabra
é um sino de média dimensão, dos 3 existentes na Torre da UC, voltado aos
Gerais. É tangido vespertinamente, entre as 18:00 e as 18:30h, anunciando as
aulas do dia seguinte, e matutinamente, das 7.30 às 8.00h, a lembrar o começo
das aulas. Já lhe foi roubado o badalo pelo menos duas vezes para que não
houvesse aulas. O actual sino não é o original, pois o anterior rachou e foi
substituído (chegou a estar depositado no Museu Académico pela década de 1950,
ainda no Colégio dos Grilos, mas depois desapareceu misteriosamente até hoje).
Foi levada uma cópia fiel dele para o Brasil, pelo TEUC, em 1951. O sineiro da
UC é designado na gíria por Cabreiro, competindo-lhe repicar e dobrar a Cabra
de acordo com o protocolo.
[24] Cfr. GAMA,
Arnaldo, A caldeira de Pero Botelho, 1866. Livraria Civilização Editora. Porto,
1964, citado por Lamy (1990).
[25] Actual
Instituto de Antropologia.
[26] Como no
lo é explicado em NUNES, António - Identidade(s) e moda, Percursos contemporâneos
da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses. Bubok, 2013, p.83
[27] Note-se
que até no decreto o erro se repete na confusão entre regulamento da polícia e
foro. Essa associação errónea ainda hoje se verifica, por exemplo, no nome dado
à “batina” que, na verdade, é uma casaca.
[28] O
Conimbricense, 1877, nº 3:161, referindo-se, uma vez mais, ao passado violento
dos bandos estudantis
[29] “Dar
bôlas” significa dar com a palmatória ou régua (reguadas). Estamos, pois, a
falar da palmatoada.
[30] LAMY, Alberto Sousa, A Academia de Coimbra, 1537-1990, História, Praxe, Boémia e Estudo,
Partidas e Piadas, Organismos Académicos. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª
edição, 1990,p. 473
[31]
Regulamentada no 1º Código de Praxe de Coimbra e replicada em todos os demais.
[32] É,
contudo, descabida tal obrigatoriedade, quando está de dia.
[33] Batalhão
Académico de 1808, para guerra peninsular - contra as invasões francesas; Batalhão
de Voluntários Académicos de 1826, durante a regência da infanta D. Isabel
Maria, em apoio às forças liberais que combatiam a forte facção absolutista e
sob a proteção do então general João Carlos de Saldanha; Batalhão Académico de
1828, com orientação liberal, para se unir às forças que pretendiam lutar
contra as tropas miguelistas; o Batalhão Académico de 1846, durante a chamada
Patuleia, secundando o espírito liberal da Junta do Porto, e combatendo, agora,
o reaccionarismo do duque de Saldanha.
[34] Instituto António Houaiss de
Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Temas e Debates, Lisboa,
T. III, Merr‑Zzz, p. 3084.
[35] COELHO,
Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, SOUSA, João Paulo e TAVARES, Ricardo – QVID TVNAE? A Tuna Estudantil em Portugal,
Euedito, 2011, p. 168
[36] Crónica Local [em linha]. In El Fomento, 24 de Janeiro de 1888, p. 3. [Consult. 10 Set.
2009]. Disponível na Hemeroteca Virtual do Museo
Internacional del Estudiante, citado em “QVID TVNAE”.
[37] O Viriato de Viseu. XXXVIII Ano, n.º 3.770, 5 de Fevereiro
de 1892, p. 3.
[38] COELHO,
Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, SOUSA, João Paulo e TAVARES, Ricardo – QVID TVNAE? A Tuna Estudantil em Portugal,
Euedito, 2011, p. 175
[39] O vocábulo troupe
(mais tarde naturalizado como «trupe») é ainda aqui usado como francesismo e
era utilizado como designação alternativa a «tuna».
[40] 23 de Fevereiro de 1883.
[41] Op.
Cit. p. 191
[42] CALISTO, Diamantino,
Costumes Académicos de Antanho – 1898/1950, 3 Milhar, Imprensa Moderna Lda,
Porto, 1950.
[43] CALADO,
R. Salinas, Memórias de um estudante de
Direito, Prefaciado por João de Barros, Coimbra Editora Lda, 1942, p. 256
[44]
NORONHA, D. Thomaz, De Capa e Batina – O PAD-ZÉ, Ditos e partidas do grande
boémio, J. Rodrigues & C.ª, Lisboa, 1928, pp.113-115.
[45] Esmodar
= tonsurar (cortar o cabelo). A tonsura era a designação dada para o corte do
pelo das ovelhas, assim como o corte circular (na careca) aplicado aos noviços,
na sua entrada para o mosteiro. Antipodalmente, no lugar da careca dos noviços,
os prelados bispos usavam o solidéu (de origem judaica, que os judeus ainda
hoje usam).
[46] Os
caloiros rapados eram castigados por terem sido apanhados por uma trupe (ou
seja terem infringido a lei). Era um duplo castigo.
[47] COELHO,
Trindade, In Illo Tempore, Estudantes,
lentes e futricas, 6ª Edição, Portugália Editora, 1955, pp. 176-177
[48] FONSECA, Branquinhos, Porta de Minerva (romance), 2ª edição,
p. 209
[49] In Antologia do Fado de Coimbra, Tomo I, 1986, p. 10, também citado em Lamy (1990).
[50] De
notar que muitas Tunas, há uns anos atrás, sonhavam poder ser presas e passar a
noite na cadeia, como forma de provar o seu cariz “andariego” e atestar da sua
valia tuneril.
[51] Se a
chefia competia a dois putos o número de elementos seria de quatro (C.P.A.C.,
art.º 92º).
[52] VASCONCELLOS,
Antão – Memória do Mata-Carochas de 1906
[53] LAMY,
Op. Cit., p. 474-475.
[54] Idem.
[55] João
Eloy, Boémia Coimbrã, 87-88.
[56] LAMY,
Op. Cit., p. 478-479.
7 comentários:
Por acaso já tinha lido sobre os "ranchos" na análise social de Maria Eduarda Cruzeiro sobre os costumes estudantis de Coimbra do séc. XIX.
Eles realmente eram considerados uns bandidos...
Pode verificar que afinal existiu imensos crimes cometidos e não apenas aquela que surge a dizer que "No séc. XVIII a morte de um caloiro fez com que em 1727 o Rei D. João V proibisse a mesma
interditando totalmente qualquer "investida" feita por veteranos..." pelos vistos, esta é apenas uma gota no oceano...
outra parte interessante a qual já me tinha apercebido é o "cão da fila" que é um insentivo para o caloiro ser um BUFO para não ser rapado! O que é de facto um bom exemplo modelo para futuros profissionais licenciados! Dizem que a praxe dá ensinamentos e prapara a pessoa para a vida e etc! É mera desculpa... visto que insentivam à obediencia, a bufar... e para mim mais grave é premiar o caloiro de ser um "bom caloiro" aquele que obedece, e vais às "praxes" todas, que olha sempre para o chão e etc...
Num tribunal de praxe, apenas chamam aqueles que se "portam mal"..ou seja, no fundo promovem e dão visibilidade ao caloiro que se porta mal ou o que dá nas vistas (até o "bom caloiro" é chamado a ser julgado, tal como eu fui!
visto que aqueles que passam despercebidos na praxe nem sequer são chamados e apanham uma grande seca, estão de quatro, de olhos vendados durante 4 horas de um tribunal...
uma vez li o código da praxe de 1957 e pelo que entendi foi que eles não caçavam só caloiros ou alunos do liceu... qualquer semi-puto ou puto podia ser caçado por uma trupe por estar fora do seu horário de permitido... julgo que era até à meia noite!
De resto é um excelente trabalho,
Parabéns
Vamos lá ver se entendi...então antes dos anos 30 as trupes atuavam de cara coberta, mantendo o anonimato ao bom estilo de cobardia...da década 30 ao luto académico de 1969 atuavam atuavam como verdadeiros homens com a cara descoberta.. e a partir dos anos 80 voltaram a usar a técnica cobarde como se fazia antes dos anos 30 ao bom estilo do palito métrico...
Ouço muita gente a dizer que a praxe evoluiu... mas como é que evoluiu, se regrediu aos bom estilo do palito métrico?
Estão com receio de serem reconhecidos? Mas promove-se a cobardia? Não conseguem ser assertivos e assumirem a sua responsabilidade?
Os orgãos de praxe, que na verdade são as que formam as trupes, tem medo de serem reconhecidos?
Digo isto porque, quem melhor que um grupo de praxe de 13 ou 15 elementos que se conhecem bem entre si, podendo assim formar uma trupe e manter o silêncio!?
Sempre que ouço falar de trupes lembro-me sempre das comissões de praxe e conselho de veteranos...
Uma vez tive debaixo de uma trupe e consegui reconher alguns elementos...
Cuidado..... porque antigamente não havia tatuagens nos pulsos (arregaçar as mangas para não se ver o branco pode infelizmente revelar a pessoa -.-' "modernices"), pulseiras de namoro e afins...podem pôr uma nota a dizer: não só o branco pode estar visível, como se deve esconder as tatuagens dos pulsos, não andar com pulseiras de namoros, alterar a voz, e usar óculos de sol à noite...
Upsss..revelei o segredo das comissões de praxe, peço desculpa :(
Não tenham medo de "evoluir", mais vale mostrar a cara e assumirem quem sois vós!
Caro Jorge,
Não há como comprovar inequivocamente que as trupes que, actualmente, actuam embuçadas (e não serão tantas assim, creio)o farão mais por "teatro" e revivalismo bacôco, no intuito de incutir temor nos caloiros, do que por medo de não serem reconhecidas. Poderei estar errado, contudo, na interpretação.
Que praxar de cara tapada é uma cobardia, é ponto assente, além de que ilegal.
Resta saber o que motiva essa gente para tal.
De afirmar que são as ditas comissões (na minha escola e nas outras poderá não ser diferente) porque na cidade onde estudo existe 5 trupes registadas e são 5 polos de estudo... parece muita coincidência, mas visto que na altura que era caloiro consegui identificar alguns elementos, apenas refleti..as minhas palavras valem o que vale.
A idéia da trupe é "amansar" o caloiro... na altura pensava demasiado para um caloiro e fui apanhado por uma misteriosamente por uma...
Jorge
Boa tarde
Refere no texto que algumas regras impostas às trupes pelo CP de 1957 surgiram com a publicação do mesmo. Existia um fundamento para tanta regra no que toca ao funcionamento da trupes? Com isto quero dizer, se já eram regra antes e este CP se limitou a escrevê-las ou aparecem como uma tentativa de controlar a operação das trupes e até dificulta-la.
Gostaria de lhe colocar outra questão. Qual era então o motivo que levava uma trupe a sair à rua? Apanhar caloiros para gozar e sancionar nos casos em que a Praxe o permitia? Ou os doutores eram também o alvo? Era comum um doutor ou veterano ser colocado "debaixo de trupe"? Se sim, de que maneira estas podiam atuar? Apenas aplicar sanção quando a Praxe o previa ou poderia haver também algum tipo de gozo do mesmo modo que se fazia a um caloiro? (tudo isto no contexto de um passado recente, séc. XX, e não no contexto violento do séc. XIX)
E isto leva-me a outra questão, se calhar não tão adequada ao tema das trupes.
O CP de 1957 diz "Só os caloiros podem ser mobilizados e gozados e só os doutores os podem mobilizar e gozar.
Qual a legitimidade deste artigo? O gozo deve ser exclusivo do caloiro? Ou um doutor/veterano pode mobilizar e gozar doutor/veterano abaixo de si?
É legitimo que um quartanista uso um segundanista quase como moço de recados? Que aconteçam coisas entre doutores como obrigar a andar de capa traçada porque alguém mais velho anda? Andar sem gravata para obrigar doutores a traçar a capa? Mandar doutores ir buscar cafés, lanches... só porque não lhes apetece? Um doutor lembra-se que quer estar em posições como o famoso "quatro" e todos os doutores abaixo dele façam o mesmo? Proibir uso de gorro porque os mais velhos não querem usar? Dizer que um doutor não pode comparecer num qualquer evento académico ou não o pode fazer trajado? Dizer que as mangas da camisa de usam assim e assado porque alguém mais velho diz que é assim que deve ser? Entre outras que nem quis memorizar.
Há alguma legitimidade para alguém, pelo número das suas matriculas impor a sua vontade sobre outra e justificar isso como Praxe? Qual é então o objectivo da hierarquia na Praxe? Fazer cumprir a Praxe e as suas regras ou permitir alguma espécie de poder/autoridade de um doutor sobre outro para "tudo" o que lhe vier à cabeça?
Peço desculpa por me ter alongado no comentário.
Cumprimetos.
Caro Tiago,
Vou responder-lhe por parte, agradecendo o seu contacto, desde já.
- Antes do código de 57, não existia nem 1/3 parte das regras que ele implementou.
Eles são uma tentativa de controle das trupes, com muita invenção para encher chouriços e burocratizar as mesmas.
- As trupes, tal qual hoje as conhecemos, desde que os estudantes decidiram vestir o papel paternalista de polícias dos mais novos, foram criadas unicamente para perseguir caloiros, estendendo o tempo das praxes noite adentro.
Para isso, pegaram no "recolher obrigatório" que existira durante tantos anos, mas deturpando-o e aplicando-o apenas aos caloiros.
Nenhum doutor ou veterano podia ser praxado por trupes. A excepção era quanto a alguns locais onde o Dux ou o lente não deveria estar a determinada hora.
- O gozo é uma relação exclusiva entre o doutor (ou veterano) e o caloiro. Portanto, não existe gozo, quando exercido por um doutor a outro colega que não é caloiro. O que temos é uma infracção grave.
O que difere é a aplicação de uma sanção, quando um doutor comete um erro. Sanção essa que se aplica com a colher nas unhas, mas não se trata de gozo.
Portanto, nenhum doutor ou veterano pode mobilizar outros colegas que não sejam caloiros.
- Nenhum estudante pode valer-se da sua hierarquia para pretender dar ordens à hierarquia inferior.
A hierarquia apenas vale no que respeita ao exercício da praxe a caloiros (onde quem é mais velho tem ascendente sobre quem é mais novo).
Assim, nenhum doutor pode mandar traçar capas, meter de 4, mandar buscar cafés, proibir uso de gorro, proibir participação em eventos ou de usar traje.
Qualquer uma dessas situações é anti-Paxe e passível de sanção e de queixa ao organismo de Praxe.
A hierarquia da Praxe, como referi, vale perante os caloiros. Para o resto, tem validade como forma de transversalmente se exigir o respeito pelos mais velhos. Uma coisa é respeitar um pedido, uma observação, um conselho, e outra bem diferente é ter de aceitar ordens que mais não são do que abuso de poder puro e simples.
A hierarquia da Praxe não é a hierarquia militar. Nunca foi.
Fui caloiro em Coimbra no ano de 1959. Como antigo estudante do liceu da cidade da Guarda, estava familiarizado com a Praxe Académica que aí existia, cópia da de Coimbra, mas cumprida com grande rigor. Por esse motivo, adaptei-me facilmente tendo passado pelas habituais sanções: mobilizações, sessão de unhas e rapanço. Uma noite fui apanhado por uma Truoe de República (Ay-ó-Linda) quando ia na Rua Ferreira Borges, altas horas do noite. Fui rapado junto ao Arco de Almedina e pedi para me entregarem o cabelo (que conservo como recordação, já lá vão 60 anos...). Terminado o ano lectivo, vi-me obrigado a vir para Lisboa para poder continuar a estudar. No entanto, ainda me matriculei no segundo ano (semi-puto) para poder participar nalgumas trupes, antes de pedir transferência para Lisboa.
(E-mail actual: raulnobre@sapo.pt)
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