A ORIGEM
O
denominado "Anel de Curso" deriva dos anéis doutorais.
Os
anéis com ou sem sinete, são usados desde a antiguidade e, na tradição
europeia, estão historicamente associados aos actos de investidura e
autenticação de documentos solenes/oficiais.
Temo-los,
pois, usados por monarcas, papas, bispos, reitores e docentes universitários,
bem como notários.
Como
nos refere António Nunes,
"Eram obrigatórios nos
actos de colação do grau de doutor nas universidades católicas estabelecidas em
Roma, em Coimbra, Salamanca e Oxford. No caso específico de Coimbra, o anel
doutoral tem base em ouro e pedra na cor da especialidade científica. Nesta
universidade portuguesa a tradição estatutária não especificava anel para
bacharéis nem para licenciados, costume que se afirma nas ourivesarias de
Coimbra pela década de 1950."[1]
O
anel apresenta-se, tradicionalmente, respeitando as caraterísticas do ouro
português, de 19,2 quilates, e a peça será encimada por um uma pedra fixa na chamada "incrustação em
caixa".
Como
dissemos, é nos actos de doutoramento que o anel ganhou importância para, mais
tarde, ser replicado pelos licenciados.
Vejamos,
sumariamente, o contexto do anel nos actos doutorais:
"Compete a cada
candidato à laurea convidar individualmente o seu «Apresentante», dignitário de
certa categoria que terá de adquirir o Anel Doutoral a ofertar ao
recipiendário. Não existe um modelo padronizado para o Anel Doutoral
conimbricense, mas é obrigatório que tenha a base em ouro e uma pedra na cor
oficial da respectiva Faculdade (annulus cum gema)."[2]
É
essencialmente a partir da década de 1980 que os anéis de curso ganham
notoriedade e se tornam moda em quase todos os estabelecimentos universitários
do país, mimetizando a tradição conimbricense que não será anterior à
década de 1950.
DOS ANÉIS DOUTORAIS AOS
ANÉIS DE CURSO
Contudo,
e como nos alerta A. Nunes, tais anéis não estão propriamente em conformidade
com qualquer disposição estatutária ou com a heráldica académica, pois não é
considerado próprio o uso de anéis ao grau de licenciado (e muito menos ao de
bacharel - na altura em que também estes os usaram), algo que será contrariado
pelas ourivesarias da década de 1950 (a quem se deverá, em grande parte, a moda
dos anéis de curso).
E
por que razão?
"Em primeiro lugar porque, segundo os estatutos
e as tradições mais ascentrais, quem pode usar anel de ouro com gema na cor da
especialidade científica são os detentores do grau de doutor e não os
licenciados nem os bachareis. Em segundo lugar porque a maior parte dos
distintivos figurados são puras invenções kitsch sem suporte algum na cultura
greco-latina que estriba as alegorias das escolas maiores e respectivos
atributos.
![]() |
Doutoramento honoris causa del-Rey D. Juan Carlos I de Espanha
pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Sala dos Actos Grandes, 17 de Maio de 1989.
O Prof. Doutor Orlando de Carvalho procede à imposição do anel doutoral.
fonte: http://www.gettyimages.com/detail/89666207/Hulton-Archive
citada e usada por A. Nunes em Virtual Memories, 3-10-2010
.
|
O anel conimbricense de
pedra (hoje em dia fabricado pelos ourives de Gondomar) é muito tardio. Na
verdade, generaliza-se na sequência da moda dos aneis de curso que desde ca.
1920 se tinham popularizado nas universidades da Austrália, Canadá e EUA.
Atendendo a que foi criada a
marca Universidade de Coimbra, seria pertinente elaborar um manual actualizado
das alegorias de cada faculdade, selos oficiais e distintivos de cursos, de
modo a que a UC pudesse tirar proveito económico do património que tem o seu
nome e que outros exploram livremente. O que fazer a mais de meio século de
aneis de curso de manufactura e uso espontâneo? Adequá-los às normas heráldicas
e integrá-los na revitalização dos actos de formatura, dando sinal
institucional de apreço pelo património simbólico."[3]
A
verdade é que os anéis de curso se espalharam um pouco por todo lado, embora,
na actualidade, a sua procura e ostentação tenha drasticamente diminuído, fosse
por razões económicas, fosse porque, cada vez mais, a ostentação de tal peça
ser vista como uma presunçosa afirmação de superioridade.
Com efeito, são muitos os que o adquiriram e, entretanto, passado o tempo
"do pavão" (a vaidade de ostentar o grau académico perante terceiros),
o guardaram na gaveta.
HERÁLDICA E MOTIVOS
INCRUSTADOS
Uma
das muitas dúvidas surge precisamente com os motivos incrustados em baixo
relevo no anel. Quais os adequados?
Aliás
essa questão da herálidica académica está igualmente presente quando pensamos
nos brasões de curso, especialmente aqueles que os estudantes ostentam nas suas
capas (e que são, na maioria das vezes, adulterações e desenhos fantasiosos que
nada têm a ver com a heráldica oficial e tradicional).
Afinal,
também os anéis de curso obedecem, ou deveriam obedecer, a algum critério?
Pegamos,
uma vez mais, nas palavras de António Nunes, que nos serve de guia, que sobre
isso nos diz, a respeito dos anéis doutorais:
" Não existe um modelo
padronizado para o Anel Doutoral conimbricense, mas é obrigatório que tenha a
base em ouro e uma pedra na cor oficial da respectiva Faculdade (annulus cum
gema). Ao contrário do admitido para a Borla e Capelo, no Anel Doutoral nunca
se misturam cores.
Quando uma Faculdade tem
duas cores (Carmezim e Branco, de Economia, ou Castanho e Branco de Educação
Física), a pedra é bicolor. Nas Faculdades onde está consagrada uma só cor,
apenas se pode aplicar uma pedra na parte superior do anel, mas não orlas de
diamantes em torno da mesa onde assenta a gema principal.
As duas faces do besel
costumam ser esculpidas, mas nunca foi obrigatório nelas figurar o Sigillum da
Alma Mater nem o emblema de cada Faculdade.
Quando um docente é
doutorado por mais do que uma Faculdade, dispõe a tradição que possa ter tantos
anéis quantas as Escolas por onde se graduou e não um só anel com mistura
cromática de gemas."[4]
Depois,
temos os baixo-relevo:
" A fábrica nem sempre
respeita os motivos heraldísticos, o que confere a estes "anéis de
curso" um ar vincadamente kitsch. Significa isto que em vez do bastão e
serpente de Esculápio, podemos deparar com caveiras, dentes ou até com o
caduceu de Mercúrio (erro iconográfico propalado pelos serviços médicos do
exército dos EUA). Ou em lugar do caduceu de Mercúrio (Economia) podemos ver o
símbolo do euro (€). O mais certo é a taça e a serpente de Higeia (Farmácia)
andarem confundidas com a palmeiras das antigas boticas.
E não surpreenderá que a
graciosa borboleta de Psiché (Psicologia) ceda pleno foro à letra do alfabeto
grego. No limite, tamanha arbitrariedade não convence e pode mesmo desacreditar
os respectivos portadores. O mesmo vale para os códigos cromáticos aplicados às
gemas, que em certas instituições são totalmente aleatórios."[5]
Se
o anel de curso deriva dos anéis doutorais, não é despiciente falarmos na
influência que esses mesmos anéis terão sofrido, dentro da cultura eclesiástica, se nos
lembrarmos que as universidades estiveram, durante longo tempo, sob tutela da
Igreja.
Assim,
a elevação académica dos reitores e lentes, seria a transposição da elevação
hierárquica dentro da hierarquia da Igreja. Recordemos, pois, o mais famoso dos
anéis: o anel papal, também denominado de "Anel do Pescador"[6],
que ostenta o brasão de armas de cada papa, o qual é destruído após a morte do
pontífice (sendo feito um novo par ao seu sucessor). O beija mão que ainda hoje
se pratica, entre fieis e o seu bispo, costuma ser traduzido por um beijo no anel bispal,
símbolo do estatuto e poder espiritual (e que chegou a também ser poder
temporal).
A
moda do anel de curso, ou "graduation ring", fortemente impulsionada
pelas ourivesarias, poderá, porventura, também ter sido impulsionado pela
influência que estes já tinham fora de Portugal.
Os
anéis de graduação têm uma já longa história, colocando, alguns, a sua origem
no ano de 1835, quando, em West Point, os alunos fizeram uns quantos para
assinalar o fim do seu curso de instrução e a amizade que os unia, constando do
anel o ano (turma/classe) que tinham frequentado.[7]
Tal
foi copiado pelos alunos que iam terminando, ganhando contornos de tradição e
espalhando-se dentro e fora do EUA, quer no domínio académico quer, também, no
desporto - de onde são bem conhecidos os anéis de campeão em várias modalidades). Uma moda que se acentua a partir da década de 20 do séc. XX.
Terá
sido tal a razão que levou os licenciados e bacharéis a aderir a esta moda, aliciados
pela possibilidade de já não apenas os doutorados possuírem um, mas também
eles?
Faz
isto lembrar um pouco a actual moda das fitas aos milhares e pastinhas
cartonadas inventadas pelas lojas de comércio de artigos académicos (tendo
criado a oferta e aliciado a procura), embora com diferenças:
1ª travestiram
a tradição da pasta da praxe e das 8 fitas, inventando por cima (e ignorando que já existiam uma balizada tradição neste particular) e jogando com a
ignorância e narcisismo pueril dos alunos;
2ª
o anel de curso não é matéria de Praxe, e a pasta de finalista com fitas, no
que respeita à sua configuração, é-o.
PRAXIS
Não existe propriamente uma
praxis associada ao momento em que se deve colocar.
O que poderemos avançar é que,
seguindo o protocolo académico dos doutoramentos, ele deve ser colocado ou no
dia em que se recebe o diploma (muitas academias organizam uma cerimónia de
entrega de diplomas), logo após receber o mesmo.
Não sendo possível nesse dia,
coloca-se depois, quando for adquirido.
Usa-se, claro está, no anelar da
mão direita.
Em Praxe, o anel não é permitido, pois está reservado a pessoas que concluíram
os seus estudos; e se terminaram os seus estudos, perderam o estatuto de
estudante e, inerentemente, não estão em Praxe. Portanto, é ilícito consagrar,
sequer, a possibilidade de permitir o uso do anel de curso com traje
académico, quando estamos a falar de estudantes.
CONCLUSÃO
Os
anéis de curso são uma prática recente no meio discente universitário
português.
São
uma cópia, transposição dos anéis doutorais.
O
seu uso decorre de uma moda que, ao que tudo indica, foi fortemente
impulsionada ("inventada", pelos vistos) pelas ourivesarias, a partir da década
de 1950.
Existe
uma forte possibilidade que as ourivesarias em causa, fosse por auto-iniciativa
ou por sugestão de alguns alunos (ex-alunos) tenham sido influenciados pela
moda dos anéis de graduação muito em voga fora de Portugal.
Sabemos,
portanto, que os anéis que os nossos bacharéis e licenciados passaram a usar,
não eram, para todos os efeitos, algo próprio aos mesmos, tendo sido instituídos
à revelia de qualquer norma estatutária e muito menos alicerçados numa tradição
heráldica tradicional.
Hoje
são uma realidade que, como já o dissemos, parece ter tido, já, muito mais
adeptos do que actualmente.
[1] NUNES,
António, In Virtual Memories, artigo
de 07 Março 2010.
[2] Idem,
artigo de 08 de Março de 2008.
[3] Idem,
artigo de 18 de Março de 2010
[4] Idem,
artigo de 08 Março de 2008.
[5] Idem.
artigo de 07 de Março de 2010.
[6]
igualmente conhecido por "Anel do Pescador de Almas".
[7] Em
Portugal tal evocação também se regista, quando se fala no curso de X e se
coloca o ano de início e término desse grupo de alunos.
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