Continuamos
a assistir a afirmações que, repetidas ad nauseam, se espalham como dogmas,
contribuindo para deturpar e distorcer a verdade dos factos.
É o
que sucede com a afirmação de que os caloiros "não podem tocar na pasta
(da praxe)"
ou, num fundamentalismo ainda maior, de que "não podem tocar no
preto".
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algo pouco condizente com o conhecimento e rigor que, dele, supostamente, se esperam.
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Sobre
as origens da actual pasta, pode o leitor clicar AQUI.
O que se sabe?
O
que sabemos é que o 1.º Código de Praxe, o Código de 1957, determina que a
pasta não pode ser usada nem pelos "bichos" (art.º 19.º), ou seja
alunos de liceu, colégios ou seminário (art.º 19.º), nem pelos caloiros (art.º 22.º).
Em
momento nenhum se diz que não podem tocar nela.
E
em lado algum se diz que não podem tocar no preto - o que seria aliás um non-sense, já
que ambos usavam traje académico (vulgo "capa e batina").
O
que se pode adiantar é que antes do Código de 1957, não se conhece qualquer
proibição para o uso de pasta, já que (e após a época de transportar livros
atados ou dentro do gorro) só a mesma era permitida para transporte de livros e
sebentas aos alunos trajados.
Não
se entende, pois, como, em 1957, alguém teve a peregrina e descabida ideia de
inventar tal proibição.
Mas de onde vem tudo isso?
Mas
quando olhamos para o Código de Praxe de Coimbra de 1993, na página 23, aí descobrimos,
com espanto, que se afirma que, e passamos a citar:
"Os
Caloiros e os Caloiros estrangeiros não podem tocar na pasta da praxe, salvo se
interpuserem entre ela e as suas mãos qualquer peça do seu vestuário ou
lenço".
Estamos,
portanto, perante não apenas uma nova determinação que não apenas não tem
qualquer precedente ou fundamento, mas que se reveste de absoluto ridículo,
ilustrando perfeitamente a mediocridade de quem presidiu à revisão que resultou
na edição de 1993.
O
que estranhamente se contempla no Código de 57 (e que o de 1993 replica) é que
os "bichos" podem usar outras pastas, desde que não se confundam com
a "pasta da praxe" (art.º 19.º). Não se explicita nenhum regra para
essa outra pasta.
Mais
estranho ainda é que o caloiro nem sequer uma outra pasta qualquer possa usar,
apesar de ser norma que, com capa e batina, os livros só podem ser
transportados na pasta.
Praxismos e praxização
O
facto é que o art.º 254ª (quer na versão de 1957 quer na de 1993), determinam
que só "doutores" podem usar pasta, ou seja, assistimos, e fica
claro, à praxização de uma peça que deveria gozar da mesma premissa do traje e
não ser transformada em insígnia pessoal de uma hierarquia da praxe.
É
exactamente aqui que o CP de 1957 e seguintes cometem um crime hediondo contra
a tradição.
A
Pasta servia (e serve) para transportar livros/sebentas, ou seja como
ferramenta do estudante, ao serviço do estudo e não de praxismos. Nunca existiu
para distinguir e determinar hierarquias praxísticas.
Tal
como o traje é uniforme de qualquer estudante, a pasta está-lhe intimamente
ligada, porque de uso obrigatório com traje.
As
próprias insígnias pessoais (nomeadamente grelo e fitas que se prendem à pasta)
não estão ao serviço da hierarquia praxística (no sentido em que não se usam em
função do n.º de matrículas) e qualquer aluno pode usá-las, desde que frequente
o ano a que correspondem essas insígnias.
A
pasta, não sendo insígnia alguma, não pode ser vedada a caloiros, porque ela
existe para servir ao estudante.
Um
dos equívocos maiores, criados por Coimbra, foi terem passado a chamar à Pasta
de "pasta da praxe", porque daí foi fácil muitos ignaros a associarem
à Praxe no sentido das "praxes" (por isso a vedando aos bichos e caloiros).
Aliás,
a larga maioria das academias, e também Coimbra (por causada parvoíce absoluta
do 1.º artigo do Código de 1957 - e que é um erro crasso), associa Praxe às
praxes e considera Tradições Académicas como algo sob alçada da Praxe ou uma
sua forma sinónima.
Só
que a Praxe não é nada disso e muito menos o que lemos no art.º 1º de tudo
quanto é código (Vd. AQUI).
Quanto
a não se poder "tocar no preto", resulta da enorme capacidade em
inventar e da passividade perante idiotas serem levados a sério por outros
idiotas (como se a idiotice fosse -e ás tantas até é - Praxe).
O "raciocínio" que levou a tal parvoíce deverá ter sido algo como "Se o caloiro não pode tocar na pasta, que é preta, logo não pode tocar em nada dessa cor".
Portanto, em
abono da verdade, não apenas os caloiros podem trajar, como podem usar pasta.
Essa
seria a tradição, antes da tentativa desajeitada e autoritária de a passar para o
papel (sob forma de Código), pois nada antes indica que a pasta fosse vedada a caloiros.
Se
é facto que o Código de Praxe da UC de 1957 procurou manter e organizar muito daquilo
que era a prática existente até então, acaba por ser um documento em que uma
boa metade são invenções - coisas que,
até essa altura, nunca tinham sido tradição.
Recordemos,
igualmente, que, em termos práticos, o CP de 1957 só passou a ser observado, de maneira mais generalizada, a partir da década de 1980.
Antes disso, e quando
foi publicado, quase ninguém lhe ligou patavina (quer porque ainda reinava a
tradição oral quer porque, em muitos casos, os próprios estudantes não se
reviam nas invenções ali impressas).