terça-feira, julho 24, 2007

Notas sobre a Tuna e os Códigos de Praxe

Reinicio a escrita, passado todo este tempo, tomando como primeiro assunto a questão da contextualização das tunas académicas/universitárias na praxe da realidade que representam.

O assunto foi já abordado por diversas vezes no portugaltunas, bem como mais recentemente no blog do meu correlogionário Ricardo Tavares, o nosso bem conhecido e estimado "Sabanda".

Oferece-me dizer que dissociar as tunas da praxis académica é algo que tem tanto de benéfico como de pernicioso, senão vejamos o quão incoerente será falar-se de tunas académicas/universitárias que trajam capa e batina (ou "equivalente") e cujos elementos partilham de uma tradição/vivência comum e um mesmo "espaço" académico e, depois, querer fechar os olhos à implícita associação daí decorrente (até porque normal e correcta).



Se muitos dos códigos não têm referência explícita ao fenómeno tunante, não é menos verdade que os há que tiveram esse aspecto em conta. Além disso, muitos dos códigos não foram alvo de qualquer revisão perante um fenómeno que só agora começa a assentar as primeiras poeiras (criando o necessário distanciamento para ser entendido).

Mas deve a tuna ser uma realidade regulamentada como se de uma mera manifestação da praxis académica se tratasse?


Obviamente que não, nem faria qualquer sentido querer fundir aspectos que, embora se tocam e cruzam, são distintos no modus procendi e, até, na sua génese e percurso, apesar das actuais tunas terem o seu alfobre na reabilitação das tradições académicas.

No caso que conheço, porque fui legislador desse código (na UCP de Viseu), apenas se referenciavam as tunas directamente ligadas ou representativas da UCP de Viseu. Nessa altura o grupo existente (extinto há já alguns anos) era a Tuna da Associação Académica, entidade tinha uma relação de cooperação e trabalho directo com o Conselho da Praxe, daí que o código fizesse a ponte entre os vários organismos académicos, por consentimento de ambas as partes.

Assim, definia-se para as tunas da casa que observassem o traje e correcto trajar em vigor na academia, respeitassem as hierarquias em vigor (no caso em concreto era impedido qualquer rito aplicado a novos tunos que fosse equiparado ao rito próprio para caloiros - excepto se fossem caloiros em ambas as realidades - evitando-se a perda da honorabilidade e "dignidade" da condição de doutor ou veterano na praxe).

Sentiu-se, na altura, a necessidade de distinguir o que era rito para caloiros daquilo que eram ritos de iniciação nas tunas, salvaguardando, nomeadamente, a repetição ou os casos menos bonitos de ver doutores ou veteranos na praxe submetidos a actos pouco dignos da sua condição.
Para além disso, eram dadas as normais beneces aos caloiros que entrassem na tuna (isenção de praxe nos tempos de ensaio e actuação, excepto por elementos do Conselho de Praxe em caso de dolosa violação do código - e em que não houvesse intervenção de mais ninguém), para além da lei de protecção de instrumento (conquanto provasse saber executá-lo).

[Episódio curioso (em jeito de aparte) é que essa tuna foi extinta por decisão da reitoria, depois de ter sido consultado o conselho de praxe (que já tinha intervindo e admoestado o grupo por "delitos" anteriores) por esta. Algumas posturas e atitudes dos seus elementos de então puseram em causa o bom nome e prestígio da universidade local, da praxe e dos costumes académicos, pelo que foi retirada a autorização de representar a academia e de no seu espaço funcionar como instituição (e que teve o apoio, também, da associação académica da altura -1999)].


Julgo que é o que deve tender a existir: um respeito pela praxis de cada academia, pelo seu código, mas respeito também pelo espaço "tuna" e sua própria forma de viver essa condição.

A Tuna não é burgo que não deva prestar contas a ninguém em termos de praxis, porque tem o dever (pelo menos moral) de uma conduta coerente com a academia de que é oriunda, mas também não é seara dos conselhos de praxe onde estes possam lavrar a seu belo prazer, como se de uma vulgar trupe de tratasse.

Ainda assim, convirá recordar que um tuno estudante deve lealdade, em primeiro lugar, à praxe e ao código da instituição que o acolhe (ou, visto de outro prisma: na qual ingressa), pois é a condição de académico, em primeira instãncia que lhe confer eo estatuto necessário para, posteriomente, usufruir da condição de tuno numa tuna académica/universitária.

Assim, mesmo tratando-se de realidade distintas (mas não desconexas), só depois deve essa fidelidade à tuna.

No caso dos antigos estudantes, por certo que só á tuna devem contas e por eles responde a tuna institucionalmente no que concerne ao respeito pelas tradições.

Se as tunas representam uma realidade que as diferencia de outras tunas (das populares, por exemplo), então devem traduzir no seu modo de ser e estar esse respeito e vivência da praxis, nomeadamente (e quase resumidamente), ao correcto uso do traje, conforme determinado na sua academia.

Ainda fazer notar que julgo descabidos alguns ritos tunescos que reproduzem e repetem práticas que têm lugar nos ritos de iniciação ao caloiro, aquando da sua entrada na faculdade. Alguns desses ritos ou práticas tunantes acabam por tornar ridículo esse acto (porque copiado ou retirado de um contexto que não é origialmente seu), dado não serem uma tradição de tuna, mas uma cópia (às vezes barata), em detrimento de usos mais criativos e apropriados a uma tuna

Basta, por exemplo, perceber a forma como alguns novatos ou caloiros das tunas são (mal)tratados (alguns deles nem sequer novatos na vida académica), num puro exercício de sadismo e falta de bom gosto que não dignifica nenhuma das partes.

E nisso ajuda a confusão que depois se faz entre praxe e tunas.

Por certo que o meu leitor me chamará a atenção para o que sucedeu no boom tunante de finais da década de 80, em que os grandes dinamizadores da praxe e das suas academias eram também os mesmos impulsionadores e "timoneiros" das tunas que se iam criando .
Mas se houve muita "terra de ninguém" e a necessidade de, num primeiro momento, pedir a praxe emprestada para dar contornos de alicerce legitimador às tunas, também já vem sendo tempo de emancipar as tunas e terminar o empréstimo que mais não foi do que uma renda paga de algo que, no fim do contrato, volta a seu dono ficando as tunas com..................... (eis a questão: com o quê?).

Os ritos e praxe nas tunas precisam de ser melhor compreendidos e pensados, retirando-lhes os aspectos que nada têm a ver com elas, deixando apenas o pertinente e promovendo uma cultura própria, mesmo que influenciada ou adaptada na sua génese (até porque se corr eo perigo, nos antípodas, de inventar gratuitamente práticas ainda mais ridículas). Ver tunas que dão autênticos shows de praxe como se de um circo de rua se tratasse é mais um pálido contributo para a imagem deste fenómeno e, ainda mais, para o da praxe e estudante universitário.


Muitos profissionais liberais regem-se por um código deontológico próprio, sem que tal substitua a obrigação de respeitar as regras do civismo e boa educação que a todos dizem respeito enquanto, antes de mais, cidadãos.

Do mesmo modo os tunos devem observar a tradição e respeitar os códigos e praxe em vigor, sem que isso entre em conflito com o seu próprio "código deontunológico", enquanto cidadão académicos e, também, tunos.

Diria que estas questões seriam de deixar ao bom senso de cada um, mas está provado que cada um se acha dono do mesmo e seria continuar tudo na mesma (com indícios, até, de piorar).
Daí que vejo a necessidade de Conselhos de Praxe e Tunas se sentarem à mesma mesa e conversarem, pois é a falta de diálogo que foi dando aso a muita confusão e equívocos.

Para terminar, dizer que mal vai a procissão quando o sacristão tem de fazer as vezes do Padre; mal vai pois a praxis e tradição académicas quando se propala que as tunas é que devem promover o revivalismo e as tradições académicas, substituindo-se a quem de direito, vestindo um mesmo traje para dois ofícios distintos, mesmo que, usualmente, concomitentes.

Com efeito, há que dar a César o que dele é, deixando de misturar alhos e (bo)galhos.

Já muito li de gente bem intencionada a afirmar que se deve às tunas a continuidade das tradições, da praxe, do uso do traje ....... e que elas devem assumir esse papel promotor e, até, serem protagonistas da mudança, por manifesta falta de competência e atitude dos conselhos de praxe. Mas uma coisa são as medidas individuais ou de grupo, outra é confundir associação de pessoas com a instituição tuna, mesmo se têm intervenientes comuns.

Se as academias sofrem dos problemas que todos conhecemos, se a culpa pode ser dividida entre os factores sociais, culturais educacionais, somando a inaptitude dos muitos conselhos de praxe há, contudo, que separar as águas.
As tunas devem preocupar-se com elas mesmas, porque muito têm que fazer, porque também elas a braços com muitos problemas (e nisso deveriam, até, ter o discernimento de aprender com o exemplo da praxe, cujos actuais problemas afectam, também, as tunas).

A cooperação e colaboração é imprescindível e benéfica para ambas as partes 8e deveria ser algo comum em todo lado), mas uma coisa é esse relacionamento amistoso e fraterno, outro é substituir-se, confundir, emiscuir e desvirtuar, trocando as voltas e só ajudando a por do avesso aquilo que mais ou menos torto estava.

Há uma coisa que muitos se esquecem, infelizmente, mas deveriam colocar no postulado: o dever de viver a cidadania académica de forma interventiva...........que deixe obra feita.

3 comentários:

Anónimo disse...

Adorei ler este artigo. Uma reflexão bem argumentada, numa linguagem de alto nível e mostrando um saber e maturidade que muita falta fazem nos dias de hoje. Muitos parabéns.

Paulo

Sofia Esteves da Silva disse...

Gostei muito do artigo, tal como outros que já li do Notas e Melodias.
Quero apenas deixar duas perguntas, pois penso que aqui conseguirei obter o que pretendo, dado que preciso de respostas precisas e com alguma urgência..
Nos dias de hoje, as tunas têm de estar submetidas à Comissão de Praxe da faculdade a que pertencem, à Associação de Estudantes ou mesmo a ambas?

Existe algum orgão que esteja "acima" de todas as tunas, pelo qual as mesmas se possam reger e orientar relativamente aos regulamentos "básicos" que dizem respeito às tunas em Portugal?

Agradeço sinceramente a atenção prestada desde já, deixo os meus parabéns pelo blog e agradeço desde já qualquer contacto que me possa ser fornecido para obtenção das respostas às minhas perguntas.

J.Pierre Silva disse...

Perde algum tempo, mas aconselho mesmo a leitura de todos os artigos aqui linkados abaixo.
Se o fizer, obtém uma resposta cabal:

PortugalTunas (Fórum:Tunas Vs Praxe):
1ª Parte - http://www.portugaltunas.com/forum/forumid=1/id=30371/
2ª Parte - http://www.portugaltunas.myexordium.com/forum/forumid=1/forumtype=tree/id=30580/

3ª Parte - http://new.portugaltunas.com/forum/forumid=1/id=31368/topicorder=desc/

4ª parte - http://new.portugaltunas.com/forum/forumid=1/id=31368/topicorder=desc/

Blogues da Especialidade:

http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.pt/2007/07/aventura-da-clarificao.html

http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.pt/2011/09/aventura-do-topete.html

http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.pt/2011/09/aventura-do-fim-da-co-laboracao.html



NESTE BLOGUE:

http://notasemelodias.blogspot.pt/2011/09/notas-reter-ani-tunas.html

http://notasemelodias.blogspot.pt/2011/09/notas-aos-anti-tunas.html

http://notasemelodias.blogspot.pt/2011/10/notas-de-denunica-parte-ii.html

http://notasemelodias.blogspot.pt/2011/10/notas-de-denuncia-parte-iii.html


Manifesto Nacional:http://manifestvm-tvnae.blogspot.pt/2011/10/manifesto-pela-salvaguarda-da.html