domingo, janeiro 01, 2023

Erros de palmatória em trabalho publicado

 Começamos o ano com a rápida análise a um trabalho com o título O Protocolo Universitário Português: Coimbra, paradigma e referente, redigido por Artur Filipe dos Santos.



Aquilo que se esperava ser apenas um artigo estritamente sobre o tema anunciado, acaba por incluir vários aspectos colaterais e algo fora do âmbito do tema anunciado, sobretudo quando aborda questões de "rivalidades" entre universidades ou o valor de Coimbra como marca de prestígio na vida civil do diplomado, entre outros sem um nexo com o tema proposto (como falar, "en passant", de Tunas ou a referência às "Repúblicas", cuja origem apresentada enferma igualmente erros).
Diremos que vale, essencialmente, pela explicação do acto de doutoramento (ainda assim muito epidérmica, ao não aprofundar várias questões, como explicar o que é uma charamela, explicitar e caracterizar as várias peças do vestuário do doutorado e sua origem, as cores...), embora carente de uma explicação histórica das origens do mesmoe, por exemplo, das claras influências importadas, nomeadamente, de Salamanca.

As referências à Queima, ao rasganço... são feitas pela rama (Cf AQUI, AQUI e AQUI), com grande omissão de outros rituais e onde, desde logo, não se faz devidamente a explicação da própria noção de "Praxe", que significa, precisamente, o conjunto de ritos e protocolos usados entre os estudantes, ficando a faltar menção a vários usos e costumes regrados pela Praxe (baptismo, imposição de insígnias....).

Mas o trabalho enferma alguns erros de palmatória, como afirmar que o actual traje tem inspiração nas vestes eclesiásticas, algo totalmente falso (ver AQUI) ou comparar a loba (peça de vestuário) à abatina (esse é o nome técnico) eclesiástica, já que são peças totalmente distintas e de épocas totalmente díspares.

A explicação, mirabolante e algo néscia sobre o "sagrado feminino" (alguém andou a ler o Código da Vinci e confundiu-o com o código de Avintes) como se tivesse algo que ver com Igreja Católica ou, mais ridículo ainda, com o traje.

Não, o n.º ímpar nada tem a ver com a Igreja e não é tradição alguma que os emblemas , botões, furos dos sapatos e quejandos tenham de ser em n.º ímpar (ver AQUI). Isso nem sequer está contemplado no Código da Praxe de 1957 nem em documentos anteriores. 


Essa falácia do n.º ímpar é uma invenção produzida pela ignorância, fora de Coimbra (note-se) e que se difundiu, pandemicamente, por cópia acrítica (num época em que os códigos de praxe, que se começaram a urdir em várias academias, eram cópias adaptadas uns dos outros - onde cada um acrescentava um conto como marca "distinctiva" de cada localidade).

Pena que o autor, que até cita, na bibliografia, um artigo deste blogue, não se tenha dado ao trabalho de ler mais uns quantos artigos explicativos - o que teria evitado algumas argoladas).

Já agora, ao ler as obras citadas na bibliografia, há que sublinhar que algumas são de carácter duvidoso quanto ao rigor, nomeadamente ao citar Cerveira (2016) no qual se apoia para explicar a anedota dos n.º ímpares.

Já não é de agora que alertamos para a necessidade de maior rigor naquilo que se publica sobre esta temática, recordando o exemplo de uma questionável tese de mestrado sobre Traje e Tunas, produzida na UBI.

Contas feitas, salvo alguns dados sobre o doutoramento, pouco ou nada se explica, de facto, sobre os demais actos onde se aplica o Protocolo Universitário Português (algo, aliás, impossível em tão poucas páginas - que, já agora, convinha ter numeradas). Ou bem que se escolhia apenas os actos do corpo docente (ficando-se estritamente pelo doutoramento) ou apenas do corpo discente. Ambos davam, e dão, pano para mangas. Para falar de ambos, a abordagem teria necessariamente de ser diferente, tomando como exemplo um trabalho já existente sobre o tema, superiormente urdido por António M. Nunes: Identidde(s) e moda - Percursos Contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses, o maior especialista nestas matérias.

Para um dito doutorado em comunicação, publicidade, relações públicas e protocolo, pela Universidade de Vigo (embora se estranhe tão amplo doutoramento, já que, da oferta existente apenas se encontra o de Comunicação), é um artigo/trabalho que não faz jus, muito pelo contrário, a alguém que se apresenta com tal habilitação.