Vim para Lisboa em 2000, para leccionar.
Por cá fiquei, apesar das saudades da minha capital beiraltina.
Ao longo deste anos, alguns aspectos pude observar, no respeitante à praxis e espírito académicos que vieram enriquecer e suportar algumas ideias pré-concebidas sobre a vivência da cidadania académica na capital.
De um modo abrangente e genérico, diria que Lisboa não apenas não tem tradição académica, como é viveiro de contínuo atropelos à tradição, à praxis e, até, à inteligência.
É certo que, pontualmente, ainda se verificam honrosas e corajosas tentativas de inverter a situação (ou pelo menos tentar criar um rumo), mas numa cidade desta dimensão, onde se promoveu a cultura de burgo e enclave (ao contrário do Porto, por exemplo), as poucas excepções existentes são fugazes e insuficientes para se sobreporem àquilo que acontece um pouco por toda a cidade à beira Tejo deitada.
O esforço que se reconhece a algumas tunas lisboetas contribuíu, ao menos, para a existência de alguns oásis que assumem o papel de excepção, mas manifestamente insuficientes numa academia cujos seus protagonistas viveram tempo demais de costas voltadas, fechados em si mesmos, enquanto reclamavam para si o direito e sapiência de fazer como bem lhes dava na tóla.
Não é costume ver muita gente trajada, não com a frequência e normalidade de outras cidades. Por aqui, traja-se por festa, para cumprir calendário. Por aqui, traja-se mal, muitíssimo mal.
Malas, pastas e pastinhas (a tiracolo ou não), de mil cores e feitos, com capa e batina é "pão nosso de cada dia", saias que parecem cintos, sapatos que já vi de cor castanha ou sapatilhas pretas a combinar; p'ins em ambas as lapelas (que em muitos casos deixam de se ver, tal a quantidade de medalhas e condecorações).
Isto, quanto a estupidez humana não nos faz a afronta de considerar Traje Académico um Kilt escocês - sim porque até disto há por estas paragens.
Extraordinário, também, é assistir à "Benção das Pastas" na cidade universitária.
Esta gente nunca deve ter ouvido falar no que é a "Pasta da Praxe". Agora temos modelos do mais requintado estilo, como capas de duas abas apenas, que servem somente para lá ter fitas. Pastas que não são mais do que meras capas pretas, com logótipo estampado e fitas que são quantas se quiserem (chega a ser 1 fita por pessoa, pois já me deparei na situação de assinar uma nessas condições).
Pessoas à futrica com "pasta" e fitas, mal trajadas.............. uma caldeirada de ignorância, desrespeito e palhaçada autêntica que só denigrem a imagem que alguns ainda tentam construir para a Lisboa Académica.
Sim, porque há excepções, há quem cumpra, há quem tenha dois dedos de testa, espelho em casa e alguma educação e bom-senso.
Enquanto os vários organismos de praxe (ou pelo menos um grupo representativo), não der o primeiro passo rumo ao entendimento, acerto de critérios....... rumo a um código (que legisle os aspectos essenciais e basilares, pelo menos, comuns a todos, como o caso do traje, insígnias, entre outros), qualquer esforço será vão pela força dos números, pela mentalidade que impera, porque ninguém quer ceder nem coloca o bem comum acima das suas egoísticas pretensões de protagonismo.
Lisboa teria tudo para singrar como urbe académica, tem tudo para tal.
Conheci alguns estudantes, ligados à praxis, que tinham o desejo de fazer algo.
Pois que o façam. Terão de começar por algum lado, com poucos, mas trilhando caminho seguro. Mas tudo passará, antes de mais, pela formação. Pelo que apurei, e das conversas que mantive, o cerne da questão está numa total falta de saber e conhecimento sobre praxis, história, tradição. Chega a ser assustadora a falta de conhecimentos básicos nessa área.
É tarefa para alguns anos, mas há que ter a coragem de semear e ir preparando outros para cuidar, cultivar e, depois, todos poderem colher os frutos.
Enquanto as manifestações académicas puserem a tónica em concertos, festarolas e mega-eventos desse tipo, nada se conseguirá, pois a praxe, para crescer, não pode, nem deve, comer no mesmo prato que o interesse comercial ou do associativismo afunilado.
à custa do expediente Praxe, se construíu toda uma indústria "académica" que usa, e abusa, da tradição para ganhar o seu, promover o "fogo de vista", afogando qualquer inquietude ou descontentamento em muitas promoções e diversidade de "consumíveis" etílicos.
Haja festa para manter o pessoal na sesta, parece-me ser, nesta cidade, mais evidente 8pois infelizmente, é cada vez mais comum por este país fora).
A analogia da situação da praxis nesta cidade olissiponense com a da comunidade tunante torna-se muito similar, se virmos bem.
3 comentários:
Basicamente de acordo com o texto, mais quintal menos arroba. Parece-me excessivo até afirmar que existe Praxis Olissiponense, sendo que o mesmo ocorre em pelo menos 3 quartos das cidades portuguesas que albergam Ensino Superior ou similar. De resto, de acordo.
Muito bem. Um retrato fiel do que se passa em Lx.
Concordo com o anterior comentário, parece-me excessivo atribuir o nome de Praxis às vivências académicas que são publicitadas por Lisboa. Tenho pena que o mesmo se verifique em muitas outras academias do país, onde a Praxis se tornou um acolher, vazio de valores e fundamentos, de neo-tradições culinárias tirando lugar ao que realmente importa.
Como estudante do Porto, é repugnância o que sinto, por estas pessoas também me representarem de cada vez que envergam a sua Capa e Batina.
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