Estava em falta um artigo que explorasse a questão da
origem daquilo que muitos designam, por brincadeira (mesmo se não é
propriamente a terminologia adequada), como sendo “insígnias de finalista”.
Cartola, bengala, laço e roseta são adereços incorporados ao traje que servem para sinalizar o fim dos estudos, nada mais que isso. Não são expressões de Praxe ou de praxista, apenas e só do finalista, seja ele praxista ou não, pelo que a questão que alguns ignorantes levantam do "merecimento" não tem qualquer lógica, pois que o merecimento resulta do percurso e sucesso escolar do aluno enquanto estudante.
O que a Praxe define é que o finalista desfile trajado no cortejo (como aliás o deveriam fazer todos os alunos), usando cartola, laço, bengala e roseta e.....sem capa (o finalista). Esse éo figurino que caracteriza finalista no Cortejo (já na Missa de Benção das Pastas, apenas se apresenta trajado a rigor e com a sua pasta de 8 fitas).
O que a Praxe define é que o finalista desfile trajado no cortejo (como aliás o deveriam fazer todos os alunos), usando cartola, laço, bengala e roseta e.....sem capa (o finalista). Esse éo figurino que caracteriza finalista no Cortejo (já na Missa de Benção das Pastas, apenas se apresenta trajado a rigor e com a sua pasta de 8 fitas).
Mas voltemos ao assunto.
A adopção deste tipo de adereços ocorre, mais uma vez, como tantas outras adopções, de forma natural e espontânea, com base em peças que eram usadas noutros contextos, embora familiares e, muitas vezes, já incorporadas no quotidiano dos estudantes.
A adopção deste tipo de adereços ocorre, mais uma vez, como tantas outras adopções, de forma natural e espontânea, com base em peças que eram usadas noutros contextos, embora familiares e, muitas vezes, já incorporadas no quotidiano dos estudantes.
Recordemos, antes de mais, que a laicização do
uniforme académico, e as suas conhecidas variantes (como é o caso da Escola
Agrícola de Coimbra), seguiam, de perto, os cânones da etiqueta vestimentária
em moda na época (a que se somavam as normas de etiqueta. próprias a uniformes corporativos).
Com efeito, e a título de exemplo, confirmando
o paradigma laico-burguês, docentes e discentes do curso superior de letras e
do Instituto de Agronomia e Veterinária entrariam no século XX de labita preta e
cartola, costume de certa forma prolongado após a respectiva integração nas
universidades fundadas em Lisboa após 1910 (Nunes, 2013).
Nestas duas imagens (acima e abaixo) que retratam estudantes, podemos ver o uso generalizado do chapéu de coco na toilette masculina dos que estão à futrica. |
Sobre o incidente que leva à Greve Académica de 1907, Ilustração Portugueza, III Volume, Nº 55, de 11 Março de 1907, p.294e 296 (Hemeroteca Municipal de Lisboa). |
Dado que o uso de chapéu de coco e cartola eram
associados a uma certa ideia de estatuto ou de toilette mais solene (pese embora o chapéu de coco ser usual na
indumentária civil dos estudantes), é natural que, a determinada altura, se
parodiasse tal, com o tais adereços a prefigurarem a ascensão, tida como certa,
a um estatuto mais elevado.
Cartola e Bengala
A tradição da cartola iniciou-se em Coimbra, com o curso
do V Ano Médico de 1931/32, de que faziam parte estudantes que se tornariam
célebres na boémia e vida académica de Coimbra, como é o caso de Castelão de
Almeida (fundador do periódico "Ponney") ou de Henrique Pereira da
Mota (de cognome “Pantaleão”), ambos repúblicos da Real República Ribatejana.
Segundo Reis Torgal[1] a novidade não terá
acontecido imediatamente no cortejo da Queima de 1932, mas, sim, no decorrer de
um jantar de curso que teve lugar no mês seguinte à Queima em que todos se
terão apresentado de chapéu de coco ou de chapéu alto, de bengala e fumando
charuto, numa clara uma alusão à entrada futura numa vida profissional
prestigiada.
Tal é-nos igualmente confirmado no relato constante no
libreto dedicado à história da Queima das Fitas, editado em 1999 pelo Diário de
Coimbra:
“Embora
na integrasse a programação da “Queima das Fitas” de 1932, já que o
acontecimento se verificou em Junho e não por alturas das festas, foi neste
ano que nasceu a “praxe” do uso da cartola e da bengala que, de futuro, os
finalistas da Universidade passaram a usar em todas as Queimas das Fitas. Os
quintanistas de Medicina que ficaram conhecidos pelo nome de “Curso dos Cocos”,
e ao qual pertencia o célebre “Pantaleão” (Dr. Henrique Pereira da Mota), fez a
sua primeira “Reunião de Curso” logo no mês seguinte, tendo-se apresentado
todos de chapéu de coco ou de chapéu alto, de bengala e fumando charuto.
Esta praxe que se enraizou, significa a entrada na “vida activa”. Foi
este “Curso do Pantaleão” que teve também a ideia da “Venda da Pasta”.”[2]
Rapidamente alastra tal “novidade” que, pela sua
graça, simplicidade e simbolismo, se foi cristalizando:
Por vezes aparecia uma flor na botoeira (que não
era a roseta de seda que foi criada pelos estudantes da Universidade do Porto a partir das insígnias das comendas de Estado). A cartola conimbricense tinha aba plana, de tipo
saturno, copa de ilharga alta e chegava a ser muito altarrona e forrada de
preto caso o seu portador fosse veterano. O charuto vistoso, tradicionalmente ofertado por caloiro-afilhado, e a garrafa de espumante, compunham a toilete dandy do quintanista que se despedia lacrimogéneo”.[3]
Diz-nos, ainda, Alberto Sousa
Lamy, reforçando o já avançado:
“O Curso do
V Ano Médico de 1931-1932, o curso do Dr. Henrique Pereira Mota (Pantaleão), o
curso dos cocos, foi introdutor do uso das cartolas nas festas da Queima das
Fitas.
Pela praxe,
os cartolados podem trazer apenas batinas, cujas bandas devem ser de cetim
da cor da Faculdade a que pertecem e as abas arredondadas dobrando a pregando
as duas extremidades inferiores, dando um aspecto de fraque.
Os
quintanistas, que só usam as cartolas e bengalas na Queima das Fitas, seguem
a pé no cortejo, dado que os carros são para os novos fitados.”[4]
Actualmente,
“a cartola de fantasia usada em Coimbra desde 1979 é do tipo portuense,
conforme modelo fabricado em série desde a década de 1950 , de ilharga baixa e
forrada de cetim, ao arrepio do tipo conimbricense, artesanal, de ilharga alta
e forrado de papel de lustro”[5]
Como podemos ver, após a introdução dos já citados
adereços carnavalescos, o traje adapta-se para servir já não apenas de uniforme
estudantil, mas também de fantasia, com o figurino a ganhar contornos de
snobismo jocoso, com o ligeiro dobrar das carcelas da batina e cozendo uma fita
estreita da cor da faculdade ao longo da calça, de maneira a que a batina
passasse a imitar um fraque.
Já o uso de bengala parece ultrapassar o mero uso
figurativo do cortejo, chegando a ser usada como para
mimosear os caloiros, no acto da sua emancipação (como a vara que se usa para conduzir os animais), como refere Sofia Rosário,
citando Sousa Ribeiro, a propósito das festas de 27 de Maio e das tradicionais
latadas (que marcavam o fim das aulas: “Festa das Latas”) que:
“Os caloiros aparelhados a uma lata
convenientemente ligada por um arame, compareceram no Largo da Feira ao
princípio da tarde[6]. Levados para a porta férrea, eles partem numa
carreira vertiginosa pela rua larga até ao Largo Miguel Bombarda. Durante esse
trajecto, os doutores, munidos de bengalas, batem nas latas [se, ao
bater na lata do caloiro, esta se despregasse, era o portador punido pelo
finalista].”[7].
Queima das Fitas do Porto,1958, Acervo de João de Castelo Branco, in blogue "Memoria recente e antiga". |
Revista dos Antigos Alunos da UP, a propósito do Centenário da Universidade do Porto, 2011 (disponível AQUI) |
O Laço
O Laço/papillon é um adereço do vestuário que traduz, na etiqueta, uma ideia de maior solenidade, usado em dias de gala ou eventos cerimoniosos, que podemos observar noas maestros durante um concerto, no uso de smoking, etc.,
O laço é, aliás, contemplado na indumentária académica (traje académico) como alternativa à própria gravata, usando-se de cor preta.
Durante o cortejo, embora também no baile de gala, é usual os finalistas trocarem a gravata preta do seu traje por um laço da cor da faculdade (da mesma cor que a cartola, bengala e roseta), não sendo incomum, forrar as lapelas com cetim da mesma cor.
O figurino que o conjunto cartola, bengala e laço pretende representar, como dissemos, é a da imagem projectada no futuro do alcançar de um determinado estatuto traduzido pela "toilette" cerimoniosa.
O laço usa-se quer nos rapazes quer nas raparigas. Caso não o usem, deve manter-se a gravata.
A
roseta, usada pelos finalistas (rapazes e raparigas), e feita em seda/cetim, parece-nos ser a
representação de uma medalha, uma condecoração " de brincadeira", criada,
ao que tudo indica, na academia portuense, em substituição da inicial flor na botoeira.
Roseta
por se inspirar, possivelmente, na "Imperial Ordem da Rosa" que é
(era) uma ordem honorífica brasileira, criada em 1891 pelo imperador D. Pedro
I, em desenho idealizado por Jean-Baptiste Debret, inspirado, segundo consta,
nos motivos de rosas que ornavam o vestido da Rainha D. Amélia ao desembarcar
no Rio de Janeiro.
A
Medalha é (era) discernida tanto a militares como a civis, nacionais e/ou
estrangeiros, por serviços prestados à nação.
Esta
será a origem da roseta que, no imaginário académico, e dentro do espírito da
Queima (como adereço carnavalesco), representará, jocosamente, como que uma
"Medalha de Mérito Académico", distinguindo quem chegou ao fim do
percurso estudantil e saiu vitorioso.
Curso de Medicina na Queima das Fitas do Porto em 1971 (Foto cedida ao Arquivo da UP por Mário Abílio Silva Bravo) |
Muito
rapidamente estes adereços festivos são adoptados nos liceus, onde também
já existia a tradição de assinalar festivamente o fim do ano lectivo.
Mais
recentemente, tal aparecerá também em outras geografias escolares, nomeadamente
nas festividades dos pequenos finalistas dos infantários ou da primária, quer
na adopção das cartolas em uso em Portugal, quer na versão anglo-saxónica que
os muitos filmes americanos ajudaram a disseminar.
Só não se percebe como é que, pelos lados da Universidade do Minho, o tricórnio usado no quotidiano é carnavalizado nos finalistas que o usam às cores, como se fosse uma cartola. Claramente, alguém não percebeu patavina do sentido da cartola. E quando não se sabe, é usual a parvoíce meter-se a inventar.
Questão
contudo pertinente será saber até que ponto o “Cap Graduation” (capelo de
formatura, de feição quadrangular), que deriva dos antigos barretes renascentistas que são
bem nossos conhecidos na versão dos galeros/capelos eclesiásticos, não terá, de
certo modo, influenciado a adopção da cartola como chapelaria iconográfica do finalista, até por lhe ser bem anterior,
como chapéu usado nas cerimónias académicas, fazendo parte da indumentária formal e protocolar do acto.
Fica a questão.
Fica a questão.
PRAXIS
O que a tradição contempla, secundum praxis é que:
- O finalista, rapaz ou rapariga, irá trajado, mas sem capa, usando cartola, bengala, laço/papillon e roseta da cor do curso, forrando, se também assim o desejar, as carcelas/lapelas do traje com cetim, também da cor do curso.
- O finalista pode, contudo, apresentar-se sem capa e batina, podendo na mesma usar cartola, bengala, laço e roseta.
[1] TORGAL,
Reis – Boémia da Saudade, Coimbra, Edição do Autor,
2003
[2] Queima das Fitas, os 100 anos do Centenário
da Sebenta, 1899-1999. Edição do Diário de Coimbra, 1999, p. 103.
[3] Frederic P. Marjay - Coimbra. A cidade universitária e a sua região. Lisboa: Bertrand Editora, 1959, p. 39
[4] LAMY,
Alberto Sousa – A Academia de Coimbra,
1537-1990. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª Edição, 1990, p. 676.
[5] NUNES,
António Manuel – Entidade(s) e moda, Percursos
contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses. Bubok,
2013, p.122
[6]
Recordemos que a emancipação dos caloiros ocorria após a tourada e outros mimos
a que eram sujeitos no Largo da Feira.
[7] ROSÁRIO,
Sofia – Coimbra, O Tempo da História.
Coimbra, Dept.º gráfico da AAC, 1989. P.82
8 comentários:
Boa tarde,
Tenho uma questão relativa ao número de vezes que alguém poderá cartolar no mesmo curso.
Digamos que alguém se encontra no último ano há 4 anos, este pode ter cartolado em todos os seus anos de finalista???
Sim, pode. Deverá é usar uma fita preta na cartola, pois assume o estatuto de "finalista dissidente".
Boa noite tenho duas questoes.
Eu não fiz praxe e gostava de saber se posso arranjar um padrinho ou madrinha que me trace a capa no dia da serenata. E a outra é se no fim do curso posso ir a bênção das pastas e das fitas e se posso cartolar e ter essas coisas todas que um finalista tem.
Cara catarina,
Não ser praxada em nada impede que tenha padrinho ou use insígnias. Quem lhe disser o contrário está a induzi-la em erro (provavelmente porque assim também foi induzido).
cumps
Caro Rui Lopes,
A que cerimónia de finalistas se refere?
A Cartola, bengala, etc. são adereços que surgiram para serem usados no cortejo.
Em bom rigor, terminando o cortejo, não deviam voltar a usar, pois são adereços carnavalescos de paródia e não insígnias pessoais.
Caro Jorge,
A roseta é usado tanto por rapazes como pro raparigas, como, aliás, está patente no artigo.
As bengaladas na cartola, que surgiram no Porto costumam ser 3, mas não é da Praxe ou obrigatório sequer que tal se faça.
Boa noite
Referiu num comentário acima que um estudante pode usar cartola e bengala mais do que uma vez no mesmo curso mas usando uma fita preta. Nunca observei ninguém a faze-lo e a norma corrente, pelo menos no Porto é que o estudante pode usar cartola apenas uma vez. Tem algum registo documental ou fotográfico que o comprove? O que creio já ter visto foi usarem cartolas e bengalas totalmente pretas. Há algum significado para isto?
Referiu que o finalista repetente pode cartolar com uma fita preta, mas o estudante que frequente outro curso depois de ter sido finalista, pode voltar a usar cartola e bengala com a cores do novo curso ?
Quanto às insígnias pessoais (grelo e fitas), pode esclarecer-me qual o momento mais correto para estas serem impostas, no inicio do ano lectivo que se vão usar, ou na Queima das Fitas do ano anterior?
Quanto ao grelo e fitas, estas insígnias podem ser usadas mais do que uma vez? Um estudante pode usar grelo de um curso depois de já ter usado grelo e fitas noutro?
Não possuo fotos de finalistas com cartolas de fita preta e deve ser difícil encontrar. Eu próprio usei e não tenho registo disso.
O facto é que é essa a prática. Se depois isso se estendeu a cartolas todas pretas isso é algo que poderá ter acontecido e com o mesmo significado (alunos que não concluíram no ano anterior em que usaram cartola e voltam a usar na queima seguinte).
Cartola, bengala, roseta e laço usam-se sempre que se é finalista. Portanto, quem acabou um curso e frequenta outro, quando chegar a finalista usa novamente, como da outra vez (com as cores correspondentes).
Grelo e fitas impõem-se no início do ano (na altura das praxes), pois essas insígnias dizem respeito ao ano frequentado.
Grelo no penúltimo ano e fitas no último.
E, tal como sucede com a cartola e afins, se alguém se formou num curso e volta a frequentar outro, pode perfeitamente usar as insígnias correspondentes.
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