quarta-feira, setembro 10, 2008

Notas sobre O Grito Académico "F.R.A."

Merece alguma atenção este assunto, porque me parece haver alguma falta de conhecimento sobre a forma e razão de ser deste tipo de interpelação e expressão efusiva de alegria e comemoração.
 

Para além disso, já não é a primeira vez que, no  mail do N&M, caem pedidos de esclarecimento sobre este assunto e, por esse mesmo motivo, decidi escrever alguns considerandos.
O Grito Académico divulga-se ao mundo tunante e académico nacional, com o lançamento do CD "Estudantina Passa", mesmo se, já antes, era de uso comum, com especial incidência em Coimbra  Porto.
 Não possuo qualquer dado documental e fidedigno que aponte a data da sua criação, até porque, como sabéis, o grito foi sofrendo alterações sucessivas ao longo dos tempos (nomeadamente nestes últimos 20 anos).
 O Grito Académico, comunemente usado, divide-se em 2 partes, a saber:  Dedicatória e Aclamação (em que existe uma voz de "comando" a que responde a assembleia). Assim, temos:
 
- Então (malta), e para............não vai nada, nada, nada, nada?
- Tudo !
- Mas mesmo nada, nada, nada, nada?
- Tudo!
- Então, com toda a cagança, com toda a pujança ..........(e outros dizeres)..... aqui vai/sai um...F-R-A!
 - Frá!
- FRE!
-Fré!
-FRI!
- Fri!
- FRO!
- Fró!
- FRU (com prolongamento do som É da letra  F: "éf "- concluindo com RU - "ériu").
- Fru!
 -(todos) FRA, FRE, FRI, FRO FRU
ALIQUA, (a)liquá, (a)liquá (BIS)
CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ (BIS)
HURRA, HURRA, HURRA!!!
 
 
Alguns irão torcer o nariz, porque o interpretam de outra forma, nomeadamente a parte do Aliqua ou do chiribiribi, mas mais à frente se explica.
 Obviamente que não podemos esquecer que, deste grito, também conhecemos a parte do "Aos canhões, a rolar peças!" ou ainda do "Ginga Baleia" (muito na moda no Porto, diga-se), tão bem reproduzido no grito que a E.U.C. eternizou no seu 1º CD (já acima mencionado).
 Mas, qual o significado deste grito, de onde provém e qual a sua razão de ser?
 
 

F.R.A. ("éfférreá")
 
A sigla F.R.A., e o actual grito, parecem provir dos tempos conturbados da Crise Académica (Frente Revolucionária Académica ou Falange de Renovação Académica), inspirados, no FRA brasileiro (Frente Republicana Académica) que alguns estudantes cariocas, em finais do séc. XIX terão criado - grito esse que voltaria a fazer-se ouvir em Coimbra, pelos refugiados estudantes brasileiros, albergados na República dos Cágados.

Estes estudantes recriam a Frente Republicana Académica de outrora, sob a batuta de um tal Divaldo Freitas (grande divulgador do grito) gritando "FRA!", como acrónimo codificado, contra o regime de Getúlio Vargas (1883-1954), o qual chegara à presidência da república brasileira em 1934, instaurando uma ditadura com o  golpe de Novembro de 1937.
Divaldo Freitas (que já entoaria essa sigla nos jogos de futebol do Cantanhede, segundo o avançado por Octávio Sérgio) passará esse grito para os quintanistas de medicina que, em 1938, o estreiam no jardim botânico da UC, rapidamente passando a todos os cursos que, nessa queima, o cristalizam e oficializam.
 
O grito passa, então,  para diversos contextos, nomeadamente o do futebol, ouvindo-se nas partidas da "Briosa", como forma de incentivar, exteriorizar, expressar alegria ou, como no caso da crise de 1968, como lema reivindicativo e contestatário.
 
Parece provável, contudo, a ligação à ideia revolucionária até porque quando referia a parte do "Aos canhões; a rolar peças" (popularizado pela EUC), está presente esta ideia bélica que, ao que tudo aponta, se referiria ao famoso Batalhão Académico de 1808, num exercício de saudosismo histórico da participação e garra dos Estudantes de Coimbra na luta contra os exércitros napoleónicos (1ª invasão). Deste modo, tudo indica ter origem no espírito "revolucionário" que grassou em finais da década de 60 do século passado.

O jogo de vogais AEIOU poderá ser influência de um tema brasileiro conhecido.

No Porto, segundo Eduardo Coelho, o Orfeão Universitário utiliza  AEIOU Ypsilon (que provém desse famoso tema de Vera Cruz), sendo o final do «grito orfeónico», que começa por «Arri-barri-barri-bá - Bá!», etc. até «Urri-burri-burri-bu - Bu!» (em uníssono). Ao que parece, é uma forma que só o OUP utiliza.
 
Ainda uma achega sobre a forma como alguns prolongam as vogais, mais parecendo, como diz o amigo Hugo, no Blogue Tesoural Tertúlia, citando o Dr. Octávio Abrunhosa : "...parecem ovelhas a balir! (calma, calma! Ainda há-de chegar o tempo em que gritarão “I-Ó, I-Ó”)".
 
Aliqua Vs Arriquá
 

Já no que respeita ao ALIQUA, dizer que o termo original, que é um pronome indefinido, é ALIQUIS (alguém, algo, algum), embora possa assumir-se como substantivo (aliquis, aliqua, aliquid – algum, alguma, alguém, algo, alguma coisa) ou, ainda, como adjectivo (aliqui, aliqua, aliquod – algum, alguma, algo).
 
É declinado como QUIS, mas com a adição do prefixo ali-: aliquis, aliqua, aliquod, com a única diferença que, no feminino, ele faz aliqua, e não *aliquae".
 
Pessoalmente, vejo isso como uma interpelação (recurso estilístico conhecido por Apóstrofe ou invocação), na ideia de arregimentar, chamar, congregar, reunir a atenção e vontades de todos e, por isso mesmo, a que está correcta.
 

Poderá também provir do termo Aléguá, que significa radioso (ou emite raios/que brilha), expressando alegria ("Aléguá, guá, guá"), um grito já em voga, ao que parece, nas claques brasileiras do início do séc. XX, numa corruptela de "Allez! Go! Hack!" (que Olavo Paes de Barros teria entoado no estádio do São Paulo, misturando termos de vários idiomas, após um temporal ter interrompido os treinos da equipa, incentivando os jogadores).
 
Sobre a possibilidade do "Aléguá", deixamos ao leitor a seguinte transcrição:
 
"Esquecidos os vivas “à Revolução Social” e “à inconsolável viúva do padre António Vieira”, lançados e popularizados pelo Pad-Zé, sem dúvida que só o F-r-á conquistou direitos de cidade entre a Malta coimbrã.
Não será curioso, então, fixar o momento em que tal brado se radicou na Academia de Coimbra? Cremos que sim e, por isso, redigimos este apontamento.
Quando – ainda não era, sequer, morrão de candeia – comecei a assistir a desafios de futebol, ouvi, uma e muitas vezes o Ribeirinho ( capitão de equipa ), tenente dos artilheiros…capitão dos carvoeiros, lançar o clássico “hip-hurrah”.
Por essa mesma altura lembro-me de ter ouvido um outro grito que creio ter tido apenas uma vida episódica e de que recordo só a parte final: - “Carvão, meninas…”.
O “ hip-hurrah “ era, entretanto, de uso generalizado e só os rapazes da República dos Grilos utilizavam a voz do seu insecto totémico para grilarem o seu “ cri-cri, cri-cri e os bichos o erudito “ Hic, haec, hoc “ ou o “ Qui, quae, quod “.
Outros brados tiveram memória transitória ; “ala-ala-arriba”, “ Cow-boy… tau-tau-tau… Allô, sheriff “ e o do “ …pico-pico… meia-hora “ mas, como inicialmente observámos, só o “ F-r-à “ se radicou fortemente e foi alastrando de um curso para a Academia, começando a ser o brado distintivo dos desportistas académicos e dos elementos dos organismos culturais da Academia – e com eles se faz ouvir de Norte a Sul de Portugal, nos relvados, nos rinques, nas piscinas, nos teatros, nos salões de recepção e nas ruas.
 Vejamos, então, a sua origem:
 Foi em 1937 que um grupo de estudantes brasileiros estagiou em Coimbra, tendo ficado instalados nas Repúblicas então existentes. Foram, precisamente, estes rapazes que trouxeram para Coimbra o F-r-à, que, aliás, como toda a semente de planta que se preza, levou algum tempo a germinar – um ano, exactamente – mas depois se enraizou como sabemos…
Recordada a sementeira, vejamos como se deu a eclosão da planta e o jardineiro a quem se deve a obra.
 Na Queima das Fitas de 1938 os festivais realizaram-se no Jardim Botânico. Numa das noites juntou-se um grupo bastante grande que resolveu fazer pé de vento. Propostas, apreciadas e recusadas várias sugestões, fixámo-nos em duas que recolheram a unanimidade dos sufrágios: o irmos cantar às meninas uma parte de uma canção que começava pelo verso “Deixa essa triste cara…” e lançar como brado o F-r-à. O que é certo é que foi o Divaldo, que acompanhara os seus compatriotas no ano anterior e que aprendera ( e ainda bem que recordou ) o Frá, fré, fri, fró, fru ,que deu a primeira sugestão e dito e feito, após meia dúzia de ensaios iniciou-se a digressão de todos os quintanistas de Medicina presentes que formaram um cordão que cercou as moças consideradas jeitosas e… e despejaram a cantilena.
 No dia seguinte (27 de Maio) quando chegámos ao festival, à futrica, encontrámos muitos grupos, grandes e pequenos, de académicos, fitados, grelados e sem insígnias, que cantavam por todos os cantos o “ Deixa essa triste cara, em que ninguém repara…” e por todos os cantos bradava “ F-r-á, frá; f-r-é, fré;…”.
A sorte estava lançada…
 …E quanto ao “F-r-á” não se pode dizer que a sorte lhe tenha sido madrasta.
 VERSÃO ORIGINAL:
“ F-r-á… frá ; f-r-é… fré… ; f-r-i… fri ; f-r-ó… fró ; f-r-u… fru ;
“ Alêguá guá-guá ; alêguá guá-guá ; chi ri bi bi tá-tá tá-tá ; hurrá , hurrá !”
 
(Fonte: Mário Temido in “Rua Larga. Revista dos Estudantes de Coimbra")
 
 
Uma outra tese aponta para a eventual proveniência  num suposto grito crioulo, também provindo do Brasil, que se pronunciaria como "aléquá, aléquá!". A pesquisa feita ao dicionário de crioulo diosponível na Net não contempla, contudo, tal, pelo que a corruptela para "aliqua" se avera algo improvável.
 Muitos pronunciam "ARRIQUÁ", mas é erróneo, pelo já explicado. Esta expressão, de que não consigo vislumbrar significância, poderá ter surgido por um facilitismo fonético (é mais fácil de pronunciar velozmente e é mais marcado e sonante) ou por influência do grito do Orfeão do Porto que, ao invés disso, pronuncia "Arribá" (de Arriba - acima/para cima), mas, seja como for, o "arriquá" é um erro.
 
CHIRIBIRIBI-TA-TA-TA-TA
 
Já o "CHIRIBIRIBI-TA-TA-TA-TA" é, ao que tudo indica, referente a uma Marcha Carnavalesca de Victor 34.115B, interpretada pelo "Bando da Lua", gravada em novembro de 1936 e lançada em dezembro de 1936.
 Recordo que, em inícios do séc. XX, as festividades estudantis, nomeadamente os cortejos, eram conhecidos por "Carnavais de Estudantes" (ou termo similar), sendo, pois, lógico que conste do grito uma referência histórica a esse facto e que, no fundo, traduz o espírito de folia, alegria e festa.
O "Foguete" (Final)
 
Por fim, a questão do FOGUETE (Chhhhhhh....Pum/....) e dos ditos que se lhe seguem (cada qual à sua maneira e tradição) é um a introdução muito recente. O meu amigo Eduardo Coelho, "Conquistador", diz-me que na 1ª vaga de Tunas do Porto não exisitia sequer.
 
Apenas condenar os que "inventaram" o palavrão final, tal como todos os acéfalos que o reproduziram. Estudantes do Ensino Superior deveriam destacar-se, também, pela eloquência e excelência, pelo menos em público.
 No Porto, segundo Eduardo Coelho, o «foguete» sempre se usou - o que é recente é o «té-ré-ré-ré-ré» (3x) seguido de «F...-se!», que é uma invenção pós-82... e que algumas tunas «de faculdade» usarão, por influência das respectivas «praxes».
Em Suma:
 
Uma coisa é certa: não há certezas, contudo julgo que esta explicação me parece a mais provável e verossímil (ou, pelo menos, há o cuidado de argumentar nesse sentido).
É óbvio que há coisas, nisto de gritos e afins, que podem nem sequer terem sido criadas com ideia de terem sentido ou explicação, mas terem saído assim só por acaso (mesmo se acredito pouco em acasos, neste particular).
Importa, julgo eu, que as pessoas reflictam sobre isto e sobre aquilo que gritam de peito cheio, de maneira a saberem o que dizem e por que o dizem (e o cuidado em, neste aspecto, fazê-lo "secundum praxis").
Não deixa de ser curioso que parte substancial do grito seja uma importação (3 aspectos do mesmo provêm do Brasil), o que não nos menoriza, antes mostra a riqueza da nossa diáspora.
 Se virmos bem, também os emblemas que se colocam nas capas são uma importação das Tunas Espanholas, inspiradas, por sua vez, na "Moda Mochilera" dos anos 60.
Haja o cuidado, inteligência e sobriedade intelectual, isso sim, de perceber por que se faz e as origens desse fazer.
Dizia o meu amigo, e ilustre, Eduardo Coelho, que "mais grave do que a censura do Estado Novo é a actual "Censura da Ignorância".
 
 
Sábias palavras!!!







 

3 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns. Finalmente um site onde a informação está toda junta e não dispersa ou cheia de erros.
Irei divulgar ao máximo este blog na minha academia.

Jonas

Anónimo disse...

Eu também dizia arriquá, mas percebo agora que não é assim. O que gosto neste site é que as explicações são dadas com recurso a dados concretos e se vé que argumenta com base em provas e pesquisa.
É que já me fartei dos meus veteranos que dizem que é assim ou assado mas um gajo nunca percebe se é mesmo assim e porquê que é assim (se isso vem da ideia deles, se foi transformado ou se é tal e qual como manda a tradição).
Nunca mais digo arriquá.

Francisco.

Anónimo disse...

Eu fazia parte de uma tuna e à cerca de 2 anos este texto foi-nos passado por um dos elementos de forma a remover a ignorância de algo que todos os estudantes fazem sem saberem bem o porquê. Pesquisei agora este texto para estudá-lo e ensiná-lo em praxe pois já chega de haver estudantes ignorantes quanto à história das tradições que se praticam.
Um bem haja ao autor e pessoas envolvidas no texto.