Merece alguma atenção este
assunto, porque me parece haver alguma falta de conhecimento sobre a forma e
razão de ser deste tipo de interpelação e expressão efusiva de alegria e
comemoração.
Para além disso, já não é a
primeira vez que, no mail do N&M,
caem pedidos de esclarecimento sobre este assunto e, por esse mesmo motivo,
decidi escrever alguns considerandos.
O Grito Académico divulga-se
ao mundo tunante e académico nacional, com o lançamento do CD "Estudantina
Passa", mesmo se, já antes, era de uso comum, com especial incidência em
Coimbra Porto.
- Então (malta), e para............não vai nada, nada,
nada, nada?
- Tudo !
- Mas mesmo nada, nada, nada, nada?
- Tudo!
- Então, com toda a cagança, com toda a pujança
..........(e outros dizeres)..... aqui vai/sai um...F-R-A!
- Frá!
- FRE!
-Fré!
-FRI!
- Fri!
- FRO!
- Fró!
- FRU (com prolongamento do som É da letra F: "éf "- concluindo com RU -
"ériu").
- Fru!
-(todos) FRA,
FRE, FRI, FRO FRU
ALIQUA, (a)liquá, (a)liquá (BIS)
CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ (BIS)
HURRA, HURRA, HURRA!!!
Alguns irão torcer o nariz,
porque o interpretam de outra forma, nomeadamente a parte do Aliqua ou do
chiribiribi, mas mais à frente se explica.
F.R.A.
("éfférreá")
A sigla F.R.A., e o actual
grito, parecem provir dos tempos conturbados da Crise Académica (Frente
Revolucionária Académica ou Falange de Renovação Académica), inspirados, no FRA
brasileiro (Frente Republicana Académica) que alguns estudantes cariocas, em
finais do séc. XIX terão criado - grito esse que voltaria a fazer-se ouvir em
Coimbra, pelos refugiados estudantes brasileiros, albergados na República dos
Cágados.
Estes estudantes recriam a
Frente Republicana Académica de outrora, sob a batuta de um tal Divaldo Freitas
(grande divulgador do grito) gritando "FRA!", como acrónimo
codificado, contra o regime de Getúlio Vargas (1883-1954), o qual chegara à
presidência da república brasileira em 1934, instaurando uma ditadura com
o golpe de Novembro de 1937.
Divaldo Freitas (que já
entoaria essa sigla nos jogos de futebol do Cantanhede, segundo o avançado por
Octávio Sérgio) passará esse grito para os quintanistas de medicina que, em
1938, o estreiam no jardim botânico da UC, rapidamente passando a todos os
cursos que, nessa queima, o cristalizam e oficializam.
Parece provável, contudo, a
ligação à ideia revolucionária até porque quando referia a parte do "Aos
canhões; a rolar peças" (popularizado pela EUC), está presente esta ideia
bélica que, ao que tudo aponta, se referiria ao famoso Batalhão Académico de
1808, num exercício de saudosismo histórico da participação e garra dos
Estudantes de Coimbra na luta contra os exércitros napoleónicos (1ª invasão).
Deste modo, tudo indica ter origem no espírito "revolucionário" que
grassou em finais da década de 60 do século passado.
O jogo de vogais AEIOU poderá
ser influência de um tema brasileiro conhecido.
No Porto, segundo Eduardo
Coelho, o Orfeão Universitário utiliza
AEIOU Ypsilon (que provém desse famoso tema de Vera Cruz), sendo o final
do «grito orfeónico», que começa por «Arri-barri-barri-bá - Bá!», etc. até
«Urri-burri-burri-bu - Bu!» (em uníssono). Ao que parece, é uma forma que só o
OUP utiliza.
Ainda uma achega sobre a
forma como alguns prolongam as vogais, mais parecendo, como diz o amigo Hugo,
no Blogue Tesoural Tertúlia, citando o Dr. Octávio Abrunhosa : "...parecem
ovelhas a balir! (calma, calma! Ainda há-de chegar o tempo em que gritarão
“I-Ó, I-Ó”)".
Aliqua Vs Arriquá
Já no que respeita ao ALIQUA,
dizer que o termo original, que é um pronome indefinido, é ALIQUIS (alguém,
algo, algum), embora possa assumir-se como substantivo (aliquis, aliqua,
aliquid – algum, alguma, alguém, algo, alguma coisa) ou, ainda, como adjectivo
(aliqui, aliqua, aliquod – algum, alguma, algo).
Pessoalmente, vejo isso como
uma interpelação (recurso estilístico conhecido por Apóstrofe ou invocação), na
ideia de arregimentar, chamar, congregar, reunir a atenção e vontades de todos
e, por isso mesmo, a que está correcta.
Poderá também provir do termo
Aléguá, que significa radioso (ou emite raios/que brilha), expressando alegria
("Aléguá, guá, guá"), um grito já em voga, ao que parece, nas claques
brasileiras do início do séc. XX, numa corruptela de "Allez! Go!
Hack!" (que Olavo Paes de Barros teria entoado no estádio do São Paulo,
misturando termos de vários idiomas, após um temporal ter interrompido os
treinos da equipa, incentivando os jogadores).
Sobre a possibilidade do "Aléguá", deixamos
ao leitor a seguinte transcrição:
"Esquecidos os vivas “à Revolução Social” e “à
inconsolável viúva do padre António Vieira”, lançados e popularizados pelo
Pad-Zé, sem dúvida que só o F-r-á conquistou direitos de cidade entre a Malta
coimbrã.
Não será
curioso, então, fixar o momento em que tal brado se radicou na Academia de
Coimbra? Cremos que sim e, por isso, redigimos este apontamento.
Quando – ainda
não era, sequer, morrão de candeia – comecei a assistir a desafios de futebol,
ouvi, uma e muitas vezes o Ribeirinho ( capitão de equipa ), tenente dos
artilheiros…capitão dos carvoeiros, lançar o clássico “hip-hurrah”.
Por essa mesma altura lembro-me de ter ouvido um outro
grito que creio ter tido apenas uma vida episódica e de que recordo só a parte
final: - “Carvão, meninas…”.
O “ hip-hurrah “ era, entretanto, de uso generalizado
e só os rapazes da República dos Grilos utilizavam a voz do seu insecto
totémico para grilarem o seu “ cri-cri, cri-cri e os bichos o erudito “ Hic,
haec, hoc “ ou o “ Qui, quae, quod “.
Outros brados tiveram memória transitória ;
“ala-ala-arriba”, “ Cow-boy… tau-tau-tau… Allô, sheriff “ e o do “ …pico-pico…
meia-hora “ mas, como inicialmente observámos, só o “ F-r-à “ se radicou
fortemente e foi alastrando de um curso para a Academia, começando a ser o
brado distintivo dos desportistas académicos e dos elementos dos organismos
culturais da Academia – e com eles se faz ouvir de Norte a Sul de Portugal, nos
relvados, nos rinques, nas piscinas, nos teatros, nos salões de recepção e nas
ruas.
Vejamos, então,
a sua origem:
Foi em 1937 que
um grupo de estudantes brasileiros estagiou em Coimbra, tendo ficado instalados
nas Repúblicas então existentes. Foram, precisamente, estes rapazes que
trouxeram para Coimbra o F-r-à, que, aliás, como toda a semente de planta que
se preza, levou algum tempo a germinar – um ano, exactamente – mas depois se
enraizou como sabemos…
Recordada a sementeira, vejamos como se deu a eclosão
da planta e o jardineiro a quem se deve a obra.
Na Queima das
Fitas de 1938 os festivais realizaram-se no Jardim Botânico. Numa das noites
juntou-se um grupo bastante grande que resolveu fazer pé de vento. Propostas,
apreciadas e recusadas várias sugestões, fixámo-nos em duas que recolheram a
unanimidade dos sufrágios: o irmos cantar às meninas uma parte de uma canção
que começava pelo verso “Deixa essa triste cara…” e lançar como brado o F-r-à.
O que é certo é que foi o Divaldo, que acompanhara os seus compatriotas no ano
anterior e que aprendera ( e ainda bem que recordou ) o Frá, fré, fri, fró, fru
,que deu a primeira sugestão e dito e feito, após meia dúzia de ensaios
iniciou-se a digressão de todos os quintanistas de Medicina presentes que
formaram um cordão que cercou as moças consideradas jeitosas e… e despejaram a
cantilena.
No dia seguinte
(27 de Maio) quando chegámos ao festival, à futrica, encontrámos muitos grupos,
grandes e pequenos, de académicos, fitados, grelados e sem insígnias, que
cantavam por todos os cantos o “ Deixa essa triste cara, em que ninguém
repara…” e por todos os cantos bradava “ F-r-á, frá; f-r-é, fré;…”.
A sorte estava lançada…
…E quanto ao
“F-r-á” não se pode dizer que a sorte lhe tenha sido madrasta.
VERSÃO
ORIGINAL:
“ F-r-á… frá ; f-r-é… fré… ; f-r-i… fri ; f-r-ó… fró ;
f-r-u… fru ;
“ Alêguá guá-guá ; alêguá guá-guá ; chi ri bi bi tá-tá
tá-tá ; hurrá , hurrá !”
(Fonte: Mário Temido in “Rua
Larga. Revista dos Estudantes de Coimbra")
Uma outra tese aponta para a
eventual proveniência num suposto grito
crioulo, também provindo do Brasil, que se pronunciaria como "aléquá,
aléquá!". A pesquisa feita ao dicionário de crioulo diosponível na Net não
contempla, contudo, tal, pelo que a corruptela para "aliqua" se avera
algo improvável.
CHIRIBIRIBI-TA-TA-TA-TA
Já o
"CHIRIBIRIBI-TA-TA-TA-TA" é, ao que tudo indica, referente a uma
Marcha Carnavalesca de Victor 34.115B, interpretada pelo "Bando da
Lua", gravada em novembro de 1936 e lançada em dezembro de 1936.
O "Foguete"
(Final)
Por fim, a questão do FOGUETE
(Chhhhhhh....Pum/....) e dos ditos que se lhe seguem (cada qual à sua maneira e
tradição) é um a introdução muito recente. O meu amigo Eduardo Coelho,
"Conquistador", diz-me que na 1ª vaga de Tunas do Porto não exisitia
sequer.
Apenas condenar os que
"inventaram" o palavrão final, tal como todos os acéfalos que o
reproduziram. Estudantes do Ensino Superior deveriam destacar-se, também, pela
eloquência e excelência, pelo menos em público.
Em Suma:
Uma coisa é certa: não há
certezas, contudo julgo que esta explicação me parece a mais provável e
verossímil (ou, pelo menos, há o cuidado de argumentar nesse sentido).
É óbvio que há coisas, nisto
de gritos e afins, que podem nem sequer terem sido criadas com ideia de terem
sentido ou explicação, mas terem saído assim só por acaso (mesmo se acredito
pouco em acasos, neste particular).
Importa, julgo eu, que as
pessoas reflictam sobre isto e sobre aquilo que gritam de peito cheio, de
maneira a saberem o que dizem e por que o dizem (e o cuidado em, neste aspecto,
fazê-lo "secundum praxis").
Não deixa de ser curioso que
parte substancial do grito seja uma importação (3 aspectos do mesmo provêm do
Brasil), o que não nos menoriza, antes mostra a riqueza da nossa diáspora.
Haja o cuidado, inteligência
e sobriedade intelectual, isso sim, de perceber por que se faz e as origens
desse fazer.
Dizia o meu amigo, e ilustre,
Eduardo Coelho, que "mais grave do
que a censura do Estado Novo é a actual "Censura da Ignorância".
Sábias palavras!!!
3 comentários:
Parabéns. Finalmente um site onde a informação está toda junta e não dispersa ou cheia de erros.
Irei divulgar ao máximo este blog na minha academia.
Jonas
Eu também dizia arriquá, mas percebo agora que não é assim. O que gosto neste site é que as explicações são dadas com recurso a dados concretos e se vé que argumenta com base em provas e pesquisa.
É que já me fartei dos meus veteranos que dizem que é assim ou assado mas um gajo nunca percebe se é mesmo assim e porquê que é assim (se isso vem da ideia deles, se foi transformado ou se é tal e qual como manda a tradição).
Nunca mais digo arriquá.
Francisco.
Eu fazia parte de uma tuna e à cerca de 2 anos este texto foi-nos passado por um dos elementos de forma a remover a ignorância de algo que todos os estudantes fazem sem saberem bem o porquê. Pesquisei agora este texto para estudá-lo e ensiná-lo em praxe pois já chega de haver estudantes ignorantes quanto à história das tradições que se praticam.
Um bem haja ao autor e pessoas envolvidas no texto.
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