Época de loucura e exageros. É o momento que se vive um pouco por todo o país com as Queimas no seu auge.
Os estudantes soltam amarras e vêm para a rua festejar, mesmo que, ainda, antecipadamente, o final de mais um ano lectivo e, para alguns, o final dos seus estudos superiores.
É época de festa e, de facto, há motivos para festejar: a economia do país está em alta, o poder de compra está forte, as saídas profissionais estão descongestionadas e a sociedade vai ser capaz de absorver mais uns milhares de licenciados (nem que seja nuns biscates no Lidl, Continente ou afins)!!!!
É tradição, a tradição secular que manda, mas questiono-me sobre o modo como as queimas são, hoje em dia, percepcionadas e vividas. Época propícia à reivindicação, inconformismo e manifestação, acabamos por perceber que esta juventude está mais preocupada em divertir-se, beber até cair e exagerar no “carpe diem”, ao invés de, também, fazer destes eventos uma forma de contestar a actual situação em que vivemos e que, no caso destes, muito os irá afectar quando saírem para o mercado de trabalho (mesmo que com grandes médias).
Pegando na ideia do Ricardo Tavares, se antes existia uma forte identidade corporativista, que defendia o interesse dos estudantes, traduzido no F.R.A. (Frente Revolucionária Académica), onde a luta se fazia para preservar a cultura e tradição académica do aproveitamento político que delas queriam fazer os governantes, hoje em dia parecem-me os estudantes mais tolhidos intelectualmente – incapazes de perceber o aproveitamento que deles se faz, subordinado ao interesse económico.
Não posso aceitar que a tradição e praxis académica sejam, actualmente (e desde há uns anos a esta parte) movidas pelo quase exclusivo interesse económico. A praxe comercializou-se quase totalmente, obedecendo já não aos seus próprios preceitos, mas à programação dos investidores e organizadores de mega-eventos a metro, mais direccionados para um público anónimo do que para os estudantes, de facto.
No meio disto, dizer, pois, que a Queima é, infelizmente, um evento já não para estudantes, mas onde estes são uma parte menorizada, uma desculpa para atingir outro público mais vasto, para atingir metas financeiras e lucrar à custa daquilo que dizem ser uma festa académica.
Qual a posição dos organismo de praxe, dos Conselhos de Veteranos, daqueles que devem assumir a primeira linha de defesa e preservação da cultura e tradição?
Pelo que vamos vendo, a sua ausência, e comprometedor silêncio, parecem estar argumentados no já comum aliciamento destes, num acto que roça o “suborno”, onde os responsáveis pela praxe recebem regalias por parte das organizações (bilhetes à borla, livre-trânsitos - isto quando não são directamente remunerados) para se arregimentarem do lado do interesse comercial e económico em que se travestiram as Queimas. Parece ser assim, pelo menos assim dá a entender este crescente desvirtuar da Semana Académica, onde os actos puramente praxísticos são uma gota de água no oceano da programação e oferta deste eventos ditos académicos.
Nisto tudo, bem que é de perguntar para que servem as tais Federações Académicas. Pouco mais lhe vejo trabalho do que a organização da Semana do Caloiro e Queima das Fitas, resumidas unicamente ao papel de "fazedores de eventos", empresas especializadas em festas.
O carácter abengado e a gratuidade já eram há muito, obviamente.
Se isso é defender o interesse dos estudantes, se isso é associativismo estudantil....vou ali e já venho!
A Queima é, hoje em dia, um evento já não para o estudante, como alvo, mas para a cidade ou o país, onde importa é lucrar e ter casa cheia, onde os concertos XPTO e as discotecas foram abafando as expressões mais simples (mas mais genuínas) da vivência académica.
A população universitária, essa, levada por uma certa ignorância e alheamento, assume o papel de populaça anónima (mesmo se muitos, nessa altura, assumem, pontualmente para "inglês ver", o papel de académicos e tiram, finalmente, o traje do armário), na onda de uma cultura pimba onde “Maria vai com as outras” e importa mais parecer do que ser.
A falta de intervenção por parte dos organismos de praxe, na promoção de eventos que formem e unam os estudantes em torno da sua cultura e tradição, leva a que essa mesma cultura e tradição sejam, gradualmente, substituídas por manifestações que nada têm a ver com praxe. Aliás, basta ver o afunilado entendimento geral que se tem de praxe, sendo assustadora a ignorância que os própriso estudantes têm desta, do seu significado e vivência.
A Queima é, também, hoje em dia, olhada como uma competição, onde importa é fazer melhor que a Queima da academia X, Y ou Z, gastando fortunas (e mesmo assim lucrando) que tanta falta fazem a outras actividades e grupos académicos, chegando mesmo a haver uma espécie de espionagem inter-cidades para calendarizar as datas dos eventos nos melhores dias.
É a era do Queimódromo, onde tudo se concentra, abandonando as ruas e as praças, tudo para satisfazer as necessidades dos grandes concertos e das multidões que pouco se importam com o que se está a festejar e se estão borrifando para a tradição.
Não estou contra os concertos, pois há que ir ao encontro dos gostos dos estudantes, mas enoja-me ver cartazes onde ¾ dos mesmos são concertos e onde as actividades realmente académicas quase passam despercebidas. Revolta-me ver que as programações visam o grande público e não os estudantes em si, relegando-os para segundo plano, reduzindo-os e servindo-se deles e da tradição como desculpa para fazer dinheiro, delapidando a praxe e colocando no fundo da hierarquia de prioridades, as actividades de foro estudantil e académico.
Lamento que os nossos jovens, que os organismos que regem a praxe, se fiquem, se calem e sejam cúmplices deste atentado às nossas tradições. Lamento que não haja quem tenha coragem para dizer “Basta!” e assuma a necessidade de devolver aos estudantes a sua festa, a sua Queima, mesmo que isso signifique uma simplificação programática e o deixar de encaixar umas milenas de euros (que só favorecem os organizadores e raramente quem precisa par a investir no que é, realmente, importante).
Nunca vi uma geração tão passiva e acomodada, tão pouco reivindicativa e desprovida grandes causas por que lutar - o que não auspicia nada de bom e não abona a favor da futura elite e quadros superiores do país!
4 comentários:
Também não percebo que as tunas toquem na queima a troco de ingressos. Onde está a benevolência e espírito académico dessas tunas?
Já não será uma honra poderem tocar para a sua academia?
Que recebam senhas de bebidas ainda vá, mas actuarem a troco de bilhetes não me parece bem.
A radiografia feita está excelente!
Parabéns pela capacidade de análise, sagacidade e escrita.
Não poderia concordar mais. Com tristeza o reconheço, mas o que reportas é a clara realidade.
Não sou daqueles que costumo exaltar certas gerações face a desempenhos e posturas de outras. Não gosto do "no meu tempo é que era", porque creio existir virtualidade em cada era.
Mas, que diabo, isto começa a parecer dantesco.
Já dei por mim a pensar que não devia estar bom da cabeça quando gastei tempo, saúde, amor e amizades, a lutar diáriamente para a remontada das tradições.
Primeiro foi o advento, logo a catárse, agora a catástrofe...
Acredita que choro por isto.
Abraço
Paulão
p.s. - João, com a falta de respeito que os "dirigentes" associativos demonstram pelas Tunas e demais Instituições Académicas, algumas delas centenárias, a pergunta deveria ser:
Porque é que as Tunas aindam tocam na Queima?
Bilhetes e bebidas não compram honra.
Ainda este ano comentei precisamente isto com a minha namorada... Preferia uma queima sem nomes sonantes, vedada ao público geral, à queima que se vive hoje em dia, onde é impossivel ir à sexta ou ao sabado, porque o queimodromo está cheio com miudinhas de 15 anos, que vão para lá fazer não sei o que.
Quanto ao facto das actividades praxisticas desaparecerem gradualmente dos cartazes, queria só dizer que a FAP faz questão de criar 3 cartazes: um tem os concertos, outro tem os nomes do espaço mundos e outro tem as actividades praxisticas. Contudo, o ultimo só costuma ser afixado nas faculdades, fora delas, só muito raramente é avistado.
Não poderia concordar mais com tudo o que foi escrito o que de certa forma me entristece pois é o pão nosso de cada ano académico muito por culpa dos "organismos que regem a praxe".
Estou a caminho do quarto ano de estudante universitário na academia do Porto e vou ser sincero, as únicas actividades da semana da queima que ia eram a Monumental Serenata e o Cortejo Académico, e falando sinceramente desconhecia a existência das outras porque nunca me foram ditas que existiam e de certo por algum desmazelo também nunca me preocupei em saber, aliás para mim semana da queima eram estes dois eventos mencionados + o bebedódromo(queimódromo). Isto até à uns tempos, que a minha casa esteve com problemas o que obrigou a que certas atitudes mais drásticas fossem tomadas pelos "altos organismos que regem a praxe" (MCV), sendo uma dessas atitudes foi o aprender tudo o que envolve o nome "praxis". Posso dizer tal atitude que me levaou a concluir que tudo o que outrora julgava como um dado adquirido, agora eram apenas palavras estúpidas ditas por alguns pseudo-intelectuais com mais matriculas.
A verdade é que existe uma grande necessidade de educar quem educa porque de há uns anos para cá aqueles que hoje em dia estão à frente da praxe, dela pouco sabem e posso dizer que o problema é bem grave e não acontece numa única universidade mas sim na maioria delas. Este ano, sim falo apenas deste ano porque o considero como o primeiro ano de "verdadeiro praxista", pude constatar por exemplo nos eventos da semana de queima, contextualizando com o texto em cima, a fraca adesão das universidades nos verdadeiros eventos, salvo aqueles mais conhecidos para o paizinhos, missa da benção das pastas e monumental serenata, sendo que nos outros, ECAP e Sarau Cultural, aqueles não pagos que estive presente, sim apenas falo nos não pagos já para não haver a desculpa da conjuntura económica actual, a adesão das universidades foi fraca, aquilo encheu, é um facto, mas não porque estiveram todas as casas presentes mas porque algumas ainda apareceram em grande número o que permitiu que enchessem os respectivos sítios dos eventos.
Julgo que hoje em dia estamos, infelizmente, a inverter os papeis, a tornar a excepção na regra e a regra na excepção, porque aquilo que aconteceu na minha casa e que a fez abrir os olhos não aconteceu nas outras e enquanto tal não acontecer, penso que isto tende a piorar e as tradições académicas a serem substituídas por copos ou até esquecidas.
Tal como foi dito:
"Lamento que os nossos jovens, que os organismos que regem a praxe, se fiquem, se calem e sejam cúmplices deste atentado às nossas tradições."
Enviar um comentário