Volta
à ordem do dia esta nova moda dos actos solidários transformados em Praxe ou em
praxes.
Ou
seja, pela simples razão de serem arregimentados caloiros sob auspícios de uma
comissão de praxe, qualquer acto passa a ser praxe.
E vai de roda que tudo o que se faz trajado é praxe, certo?
Errado!!
Um acto solidário não é Praxe, nem praxes. Nunca o foi, não é agora que passa a ser.
E vai de roda que tudo o que se faz trajado é praxe, certo?
Errado!!
Um acto solidário não é Praxe, nem praxes. Nunca o foi, não é agora que passa a ser.
Uma
coisa é a organização de tais iniciativas em substituição de praxes, mas é isso
mesmo: em substituição, outra é chamar a isso de Praxe ou praxes.
Não
é por um grupo de médicos fazer uma iniciativa solidária como tomar um banho
que tal passa a ser um acto médico ou a isso se passa a chamar medicina. Também
não apelidaríamos de solidariedade político-partidária se um grupo da juventude
do partido X fizesse igual coisa.
Recordo, por exemplo, o caso das Tunas que, já no séc. XIX, participavam em inúmeros concertos de solidariedade, mas não consta na definição de Tuna a solidariedade. Muito menos as tunas andavam a escrever artigos para os jornais a dizerem que tinham sido solidárias. Iam e participavam. Se falassem delas, tanto melhor, caso contrário, ninguém ficava melindrado. Importava era o objectivo ser cumprido: ajudar sem esperar medalhas e louvores.
As
iniciativas solidárias que se organizam são louváveis e merecem todo o nosso
apoio e admiração. Isso não está sequer em causa.
Mas
saiba-se distinguir as coisas.
Num
outro patamar, questionaríamos, ainda assim, certas iniciativas ditas
solidárias que parecem mais uma operação de charme praxístico junto da opinião
pública, como que a contrastar com praxes que são notícia pelas piores razões.
Passamos do 80 para o 8 em que nem um nem outro são o que é suposto serem.
Não tarda e fazer voluntariado na Guiné é Praxe, só porque a malta foi de traje e õ conselho de veteranos deu uma ajuda na preparação! Tenhamos algum discernimento.
Não tarda e fazer voluntariado na Guiné é Praxe, só porque a malta foi de traje e õ conselho de veteranos deu uma ajuda na preparação! Tenhamos algum discernimento.
Não
sei, aliás, que solidariedade genuína se publicita, quando os caloiros são, de
certa forma, obrigados ou recrutados a participarem (os fins não podem, aqui, justificar os meios), precisamente porque é tal
assumido como praxe. Nem isso é praxe nem solidariedade, de facto.
A solidariedade que não vem de dentro, que não é uma expressão pessoal, não passa de uma vaidade. Se ser solidário está agora na moda (e ainda bem), não se seja solidário por moda, mas por convicção; não por desafio ou para se vangloriar, antes como um desejo sincero de fazer o bem.
Depois, e ainda numa outra leitura, não deixo de me perguntar qual a validade moral de actos solidários que, ao fim e ao cabo, parecem mais visar a auto-promoção do que o verdadeiro altruísmo.
Quem
verdadeiramente quer fazer o bem, de forma altruísta e gratuita, não se anda a
gabar de tal, caso contrário não é solidariedade, de facto.
Isto
remete-me, desde logo, para a bíblia e o capítulo VI de S. Mateus (e cujo
conteúdo se adequa, independentemente da nossa crença religiosa ou falta dela):
Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa.
Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á.”
Gabar-se
de ser solidário não é sê-lo, de facto, antes esperar uma recompensa pelo acto
praticado – neste caso uma publicidade e exposição a dar lustro ao ego.
Como
já o Pe. António Vieira dizia, “"Tanto
são maiores finezas, quanto mais ocultas, porque fazer o benefício e esconder a
mão, assim como é maior generosidade, assim é maior fineza."
Aliás,
sobre isso, aconselhava veementemente a lerem as palavras de Helena Sacadura
Cabral[1]:
"Fui
educada em duas normas básicas: o trabalho deve ser pago e a solidariedade
não se apregoa. Infelizmente parece que a tendência actual não é esta.
Todos
nos pedem para que colaboremos gratuitamente em organizações que levam dinheiro
pelo seu trabalho. No princípio da minha vida profissional era muito ingénua,
aceitava e depois descobria que alguém tinha "recebido" por me ter
conseguido levar aqui ou acolá. E, claro, os convites choviam.
Até
que compreendi. A partir do momento em que fui confrontada com esse
comportamento, tomei uma decisão que não mais abandonei. Trabalho "pro
bono" em tudo o que seja estritamente solidário. O resto, ou é pago ao
meu preço, ou não vou.
De
nenhum deles faço alarde. Nem do que dou, nem do que me pagam. Mas em qualquer dos casos exijo
reciprocidade. Ou seja, quando não cobro, peço declaração de que nada recebi.
Quando cobro, passo o recibo verde respectivo. Assim evito dúvidas se terei ou
não sido remunerada.
Vem
este intróito a propósito dos banhos de água gelada em prol da esclerose
lateral amiotrófica, para os quais alguém tentou aliciar-me. Apoiar uma causa,
trabalhar por ela, contribuir materialmente, tudo me parece defensável. E
pratico, sem alarde.
Fazer disso um movimento colectivo, no qual
cada um se presta ao ridículo público e alardeia a sua contribuição, já não é a
minha praia, como agora se diz. Além de tudo, tenho sérias dúvidas de que tal
comportamento seja o mais dignificante para a instituição em causa.(…).”
Acho
lindamente que as comissões de praxe tenham, genuinamente, o desejo de serem
solidárias, e organizem iniciativas nesse sentido (especialmente para ajudar
colegas com dificuldades – poismuitas vezes se apoiam pessoas que desconhecemos, tendo
mais perto de si quem precisa), mas devem propor isso como tal, e não
anunciarem a coisa como sendo praxe. Muito menos apresentarem tal como de participação
obrigatória aos caloiros, porque se os caloiros participam, devem fazê-lo na
base de um convite, de uma proposta a que se adere livre e espontaneamente, e
nunca como se fosse praxe – até para que o que eles façam seja efectivamente
dar, e não fazer que dão.
E
digo tal porque, nas redes sociais, já temos uns quantos a reclamar por que
razão as televisões não dão cobertura a essas actividades em vez de preferirem
noticiar casos de abusos nas praxes.
Lá
está: quando tal reclamação se faz ouvir, apenas reforça o sentimento de que,
para muitos, as ditas “praxes solidárias” visam mais o mediatismo do que em
fazer o bem de forma desinteressada; visam mais a publicidade do acto do que na
gratuidade do mesmo.
A defesa da Praxe (e falo disso, porque há quem veja nestes actos solidários uma forma de limpar a imagem ou se demarcar das más práticas praxísticas) não passa por operações benévolas a mascarar ou desviar as atenções. O maior bem que se pode fazer na defesa da Praxe é acabar com os abusos e exageros que ocorrem nas mesmas, e não fazer uma iniciativa (em si louvável e merecedora de elogios) que, depois de realizada, deixa tudo como está no que concerne às más práticas.
Não
que a colocação de vídeos seja mau, até porque, de certa forma, ajudará a
chegar a mais gente e consciencializar as pessoas para os problemas de que o
mundo padece, mas como apelo, e não como narcisita exibição de virtudes só para inglês ver. As novas tecnologias usam uma linguagem mais actual, mais próxima
da sociedade tecnológica em que vivemos, mas não podemos é cair no erro de
trocar a ordem das coisas e perder-se o motivo em detrimento da forma, em que
se lançam desafios que depois valem por si, em que o colocar o “like” e o
aceitar o “challenge” se sobrepõe, efectivamente, à intenção inicial e
fundamental ou serve para anunciar “urbi et orbi” que se é um tipo muito
generoso.
Aliás,
deixo o seguinte para reflexão:
Muita
gente fica sentada em casa e sente-se bastante solidária com o mundo porque põe
uns "likes" em imagens que aparecem de cães abandonados ou de pessoas
que vivem em condições deploráveis: «Coloca um like e estarás a doar com 1
euro.»... Ainda não percebi bem como estas coisas funcionam, aliás, duvido
muito que funcionem. Gostava de saber quantas destas pessoas já deram uma
moeda ou uma refeição ao sem abrigo que vive debaixo do prédio delas, se alguma
vez se dignaram a dar os bons dias.”[2]
Dito isto, obviamente que nos alegra e
satisfaz mais ver este tipo de iniciativa do que assistirmos a certas
brincadeiras e exageros. Quanto a essa questão, não restam dúvidas. Mas uma vez mais, é
algo a fazer-se em substituição de praxes e não como programa de Praxe ou algo
que lhe é inerente.
Venham
muitas iniciativas solidárias, que tão precisas são, mas feitas como tal, e com
verdadeira generosidade, e não tendo por fim a publicitação no youtube e redes
sociais, para conferir à praxe uma imagem de “coisa fixe” e, pior ainda, passar
a ideia de que na Praxe cabe tudo só porque se diz que cabe.
Que é óptimo ver nas notícias que os alunos universitários são abnegados e se preocupam com o bem comum, sem dúvida que sim.
Que é óptimo que os alunos promovam iniciativas que visem ajudar quem precisa, pois sem dúvida que sim e aplaudimos de pé.
Mas que tudo isso seja verdadeiramente dádiva, porque a dádiva, a solidariedade, a compaixão por quem sofre não precisa de rótulos, muito menos o da praxe.
Precisa, sim, é de gente que dá, sem ostentar bandeiras, sem megafones e sem esperar fazê-lo para as câmaras...... para que seja realmente gratuito e generoso.
Solidariedade não se mede em shares ou likes.
[1] In
blogue “Fio de Prumo”, http://hsacaduracabral.blogspot.pt/2014/09/a-solidariedade-e-banhos-gelados.html
[em linha], consultado a 30 de Setembro de 2014.
[2] In blogue
“Indigo”, http://peacheswhish.blogspot.pt/2014/08/falsa-solidariedade.html
[em linha], consultado a 30 de Setembro de 2014.
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