Para evitar, volta e meia,
estar a responder o mesmo a vários mails que são endereçados ao N&M a
perguntar o mesmo, vamos aqui abordar a questão dessa coisa de andarem, alguns,
a gastar energias com a contagem de peças de roupa do traje, ou se está
afastado X distância da capa, com o intuito de determinar se um estudante está
trajado ou se está em Praxe.
Vamos lá ver.
"Existe muita
picuinhice quanto a esse assunto (por parte de quem, ridiculamente, se foca
obsessivamente em contar peças de roupa ou a andar com uma fita métrica a medir
distâncias entre a capa e o portador).
O traje identifica o
estudante como tal. Salvo se for num café onde os "garçons" vestem
calça preta e camisa branca e andam de bandeja e bloco de notas, um estudante,
mesmo depois de tirar várias peças, continua facilmente identificável como tal
(até porque não anda de bandeja e bloco de notas a perguntar às pessoas o que
vão tomar), até porque duvido que o resto do traje esteja em casa.
Além disso, se é fora do
ambiente académico ou de um momento formal, nem sequer importa à Praxe, nem
ninguém em nada a ver com isso.
Não é, pois, uma questão de
quantas peças se tiraram.
Se é num ambiente académico,
só alguém muito tapadinho irá confundir o estudante em causa com um pedreiro."[1]
Porque falamos do uniforme
estudantil, peguemos noutro uniforme, cuja etiqueta e regras de uso, e o
próprio contexto, são bem mais apertados.
Um militar que saiu da
caserna, para ir beber um copo, ou apanhar o autocarro para ir a casa, não está
obrigado a vestir com o mesmo rigor que quando está numa parada ou em funções
onde se exige estar a rigor uniformizado. Desabotoa o botão, tira o casaco, se
estiver a incomodar; tira a boina e mete-a nas alças do ombro ....... e não
deixou de ser soldado, não deixou de andar na tropa e muito menos deixou de
estar sob alçada do regulamento militar.
É importante pensar simples,
sem "complicómetros", sem excesso de zelo praxístico, especialmente
quando isso não tem sustento algum na tradição académica.
Dizem-se muitas coisas,
escrevem-se muitas parvoíces em códigos de praxe (que nem dignos para papel
higiénico são) e, pior ainda: seguem-se e assumem-se normas inventadas por
zarolhos e seguidas dogmaticamente por cegos e amputados intelectuais.
Importa saber distinguir dois
âmbitos: quando é imperativo estar trajado a rigor e quando tal não é
obrigação.
Não estar sem o casaco ou sem
a capa não significa não estar trajado. Nem sequer significa estar mal trajado, quando não é exigido trajar a rigor.
"Destrajado é estar sem
traje. Não se está destrajado porque se tirou a batina ou a capa (ou mesmo o
colete que é facultativo) ou porque o botão da camisa foi desabotoado e laçada
a gravata. Não se está é trajado a rigor."[2]
O
aluno que deixou a sua capa em cima das costas da cadeira, que tirou a batina
porque estava calor ...........continua trajado, continua identificável
enquanto aluno, continua sob alçada da Praxe, sendo que se considera que não
está em condições de participar convenientemente em determinado acto onde seja
próprio trajar a rigor. O facto de não estar trajado a rigor, secundum praxis,
também o impede de certas prerrogativas (poder exercer gozo ao caloiro, por
exemplo).
Estar
mal trajado é, portanto, algo diferente de estar sem traje (destrajado). Não vamos
é entrar em minudências milimétricas que, acima de tudo, entram na área de um
pueril ridículo.
"Está-se mal trajado,
quando é suposto, num evento formal, estar trajado a rigor e não se está.
O moço que está na
esplanada, em colete, não está mal trajado.
A moça que colocou a capa
nas costas da cadeira e foi à casa de banho não está mal trajada.
O moço que dobrou as mangas
da camisa, porque está um calor infernal, não está mal trajado.
São apenas exemplos do uso
do traje em momento informal. Num evento académico formal, nenhuma dessas
situações, naturalmente, deve ocorrer, quando o protocolo manda que se esteja
trajado secundum praxis."[3]
Um
médico cirurgião precisa, obrigatoriamente, de usar determinada indumentária
para poder operar, caso contrário não entra na sala de operações, mas não deixa
de ser médico cirurgião por causa disso, nem de estar dentro do âmbito médico.
Não
passa pela cabeça de ninguém que, na hora de pausa, tenha de continuar de máscara
para tomar um café, e muito menos de luvas e bata operatória para almoçar. E
não é por almoçar sem tudo isso que deixou de ser cirurgião ou de fazer parte do corpo médico, de poder entrar no hospital ou sequer possa assistir alguém que tenha um mal estar.
"As descrições do traje
académico - refiro-me à capa e batina - que li até hoje limitam-se a elencar as
peças que dele fazem parte.
Nunca, em nenhuma, li que
são para andar vestidas. Em bom rigor, nós é que depreendemos que sim.
Também nunca li que fossem
para andar apertadas, pelo que, em bom rigor, posso andar de batina aberta,
colete e camisa abertos, gravata enrolada ao pescoço, no pulso, à cintura,
braguilha aberta ou até mesmo com as meias por fora dos sapatos ou com estes
pendurados nas orelhas.
Mais uma vez, nós é que
depreendemos que cada coisa deverá ser usada como normalmente devem ser usadas
peças de roupa semelhantes.
Esta visão radical - que não
defendo, de todo - leva-nos para já a uma primeira conclusão: o traje académico
é constituído por peças de roupa. E é como tal que devem ser usadas.
Independentemente de
qualquer outro considerando, são as normas gerais de vestuário que prevalecem -
normas de bom-senso, etiqueta e "moral" social.
O que se pode fazer com umas,
pode-se fazer com as outras.
Um fato é constituído por
calças e casaco do mesmo tecido e com o mesmo padrão. Usa-se camisa de
colarinhos e gravata (normalmente - e para simplificar).
Vou trabalhar. Tiro o casaco
para me ser confortável. Chego ao local de trabalho, saio do carro, pego no
casaco dobrando-o sobre o braço porque está calor. Como não costumo usar fato
no trabalho, os meus colegas começam na tanga: Ó Eduardo, vais à madrinha?
Então hoje vieste de fatinho e tudo?
Como? Então eu levo o casaco
dobrado sobre o braço e as pessoas dizem que eu vou de fato? Por que dirão uma
coisa dessas?...
O fato não é só fato quando
está completamente vestido, pois não? O mesmo acontece com o traje.
Se estou no adro à espera de
que o casamento comece e estou com o casaco seguro ao ombro por um dedo e
atirado para as costas, ninguém repara. Entro na Igreja, visto o casaco e
assisto à cerimónia de casaco abotoado quando me levanto e desabotoado quando
me sento. É o que manda a etiqueta.
O mesmo se aplica ao traje.
Nas aulas, numa sessão solene, num exame, num funeral, numa serenata, num
cortejo... a solenidade pede-me o mesmo que a um fato normalóide. No café, em
casa a estudar, a passear pela rua, a coisa é mais descontraída.
Não estamos
bem trajados ou mal trajados em absoluto. Estamos bem ou mal trajados para cada
situação específica.
Se bastasse ter todas as
peças do traje vestidas para se estar bem trajado, então se eu fosse para a
serenata de capa pelo ombro estaria bem trajado. Mas não: estaria mal trajado...
para a serenata. Se fosse de capa traçada para um funeral, estaria mal
trajado... para um funeral. O mesmo se fosse para uma aula ou falasse com um
professor de capa pelos ombros sem dobras.
Ora, e como se vê, "a
ocasião faz a trajação" como diz o velho ditado que acabei de
inventar."[4]
Alguns aspectos a ter em
conta, ligados, de certa forma, à noção de trajar secundum praxis.
TRAJE LIMPO, PINS,
COLHERES......
Mal
trajado estará, por exemplo, quem anda com dezenas de pins na lapela, desde logo pelo aspecto carnavalesco que o seu traje, assim, dá. E, neste caso, seja em contexto formal ou informal, está inadequadamente trajado.
Sobre o uso devido de pins, é ler AQUI.
Sobre o uso devido de pins, é ler AQUI.
Mal
trajado estará, por exemplo, quem usa colher de café na gravata (ver AQUI)
ou pendericalhos em madeira e afins (que as lojas de artigos académicos
impuseram nas barbas da inércia e incompetência das academias). Nesse caso específico, está mal trajado seja em que ocasião for.
"Mal
trajado", entre aspas, está quem se apresenta num evento formal com o seu
traje sujo, mal cuidado, sem aprumo.
Ter
o traje limpo é prerrogativa demasiado esquecida nos códigos, quando é das
normas mais importantes ligadas historicamente ao traje académico (e a qualquer
uniforme corporativo).
Quando
ainda lemos, em tantos códigos, ou pessoas a dizer isso à boca cheia, que a
capa não se lava, estamos quem precisa de limpeza intelectual (sobre isso, ler AQUI).
USO DA CAPA
Estar
mal trajado pode passar, desde logo, pelo uso incorrecto da capa.
São
dezenas e dezenas os códigos que temos por aí a dizer barbaridades, quanto ao
uso da capa.
Como
acima foi possível ler, quando citámos o Eduardo Coelho, usar a capa pelo ombro
durante uma monumental Serenata é trajar mal, porque, nessa ocasião, ela deve
usar-se traçada.
Traçar a capa num momento solene (funeral, por exemplo) é trajar mal.
Traçar a capa num momento solene (funeral, por exemplo) é trajar mal.
Ou
seja, existem formas apropriadas, no que ao uso da capa diz respeito, que, não
sendo observadas, colocam o indivíduo no grupo de pessoas que não estão a trajar
apropriadamente, não estão a seguir a etiqueta/protocolo estipulado para esta ou
aquela ocasião.
Sobre
o uso correcto da capa, cliquem AQUI.
DISTÂNCIA DA CAPA
Muito
implicam com essa questão, sem se perceber sequer porquê. Chegam ao supremo
disparate de legislar isso em códigos (os tais que, queimados, eram um favor que
faziam).
Nada
há na tradição académica que imponha que um aluno não pode estar afastado da
sua capa mais que X distância. Repetimos: nada!
"Cada qual é livre de
deixar a sua capa onde bem quiser e à distância que lhe der na gana. Não sendo
em momentos em que é preciso trajar a rigor, ninguém tem nada a ver com isso.
Mas lá está: arrisca-se a
que alguém lha leve (mesmo se devem ser pontuais os roubos de capa). Mas isso é
problema de quem assim opta e que depois terá de comprar outra."[5]
Claro
está que, num momento formal, ela é imprescindível, porque parte do uniforme,
tal como a gravata ou os sapatos.
Muitos códigos impõe a distância mínima da capa, esquecendo que isso entra, por exemplo, em conflito com 2 momentos incontornáveis da Tradição Académica: o estudante finalista desfila trajado sem capa e pode participar do Baile de Gala, dançando sem capa. Cai, logo aí, por terra, essa coisa das distâncias.
Muitos códigos impõe a distância mínima da capa, esquecendo que isso entra, por exemplo, em conflito com 2 momentos incontornáveis da Tradição Académica: o estudante finalista desfila trajado sem capa e pode participar do Baile de Gala, dançando sem capa. Cai, logo aí, por terra, essa coisa das distâncias.
Papismos
é que não, quando, ainda por cima, nada há que sustente imposição de distâncias
mínimas. Réguas, metros e fitas métricas não são, que se saiba, insígnias de
Praxe. O único objecto que, quando muito, tem historicidade para medições é o
palito (e não é para esta parvoíce sequer).
Quem
legislou e inventou isso das distâncias mínimas devia ser rapado, deixando-lhe cabelo
a distância mínima.
N.º DE PEÇAS E
N.º ÍMPAR
Começa
a enfadar essa obsessão pelos números ímpares.
Uma
obsessão cuja estupidez tem o seu clímax naqueles que escrevem datas onde
evitam o número par (tipo escreverem 2014 sob a forma ridícula de 2013+1).
Deixem lá os números ímpares, porque isso de Praxe nada tem (ver AQUI).
Não creio ser necessário discorrer mais sobre essa coisa de mínimo ímpar de peças do traje.
COLETE E MANGAS DE CAMISA
Porque
também relacionado, dizer brevemente o seguinte: o colete é uma peça de roupa
facultativa. Nenhum estudante é obrigado a usá-lo.
As
mangas da camisa são para estar desdobradas, em momentos formais. Anda por aí
(no Porto[6],
nomeadamente) a moda de andar sempre com as mangas da camisa dobradas numa
interpretação equivocada e sem nexo de que não se podem ver brancos.
Trajar
correctamente, num momento formal, implica ter a camisa abotoada nos punhos. E
podem os punhos ver-se.
BOTÕES APERTADOS
De
nada vale evocar normas de etiqueta que, segundo modas, vão dizendo que não se
aperta o último botão do colete ou do casaco, ou que só se perta este ou
aquele.
Dos botões do colete (o último nomeadamente), já vamos falar deles.
Dos botões do colete (o último nomeadamente), já vamos falar deles.
Em momento formal, e porque o traje é um uniforme
(e não um mero fato que se leva para uma reunião importante, casório ou
quejandos), os botões existentes são para estar apertados.
Mas,
neste caso específico, convém evitar ortodoxias. Uma batina totalmente apertada
exige-se numa cerimónia fúnebre. Num outro momento, pode apenas exigir-se que a
casaca esteja fechada, sem que isso signifique estar toda abotoada.
O
que não pode suceder é impor, nomeadamente por razões sem nexo (em memória
disto ou daquilo), que se deixa obrigatoriamente desabotoado este ou aquele
botão.
ÓCULOS DE SOL e CHAPÉUS
Já
nas décadas de 50 e 60 se viam estudantes trajados de óculos de sol. Nada há,
na tradição académica, que o impeça.
O que a etiqueta e as boas maneiras, mandam é que se use de forma pertinente. Estamos
na rua e está sol, nada que impeça o seu uso.
A
escolha de um par que não destoe do uniforme académico parece-me escusado aqui
sublinhar.
Estar
mal trajado é, por exemplo, dentro de um edifício, andar com os óculos postos
(e, em alguns casos, sobre a cabeça).
Falar
com uma entidade, de óculos postos, também se considera pouco educado, mas isso
já entra na etiqueta social genérica. E usar óculos de sol quando não há sol
que o justifique é, acima de tudo, palermice e comportamento de quem não tem
noção.
Não está sol nenhum e a pessoa usa por mania, não está a trajar secundum praxis.
Não está sol nenhum e a pessoa usa por mania, não está a trajar secundum praxis.
O
mesmo se aplica àqueles trajes de que faz parte um chapéu. Usar dentro de um
edifício é inadequado e falta de educação (e, em Praxe, civismo e educação são, também, regras fundamentais). O propósito do chapéu é proteger a
cabeça das intempéries ou do sol. E isso é válido tanto para o contexto académico como
para outro qualquer.
CONCLUINDO
Não
podemos entrar nesse enviesamento intelectual de andar a contar números de peças
de roupa para determinar se alguém está, ou não, trajado.
Devemos,
isso sim, saber determinar se, para cada ocasião, a pessoa está trajada
conforme é suposto.
Um
estudante sem esta ou aquela peça, enquanto for possível identificá-lo como tal
(e aqui o contexto diz muito também) por aquilo que veste, está enquadrado e
identificável como estudante.
Não
é, portanto, uma questão de peças que faltam que colocam o estudante fora do
âmbito da Praxe. O que a Praxe determina é que para a cosião X ou o evento Y é
preciso trajar daquela forma definida. Se o estudante não está conforme,
secundum praxis, em determinado momento formal (cuja etiqueta e protocolo
definem como deve apresentar-se trajado) considera-se que não está a cumprir,
impossibilitado de participar devida e condignamente.
E,
em certos casos, e precisamente porque está sob alçada da Praxe, pode, em certos
casos, incorrer em sanção de unhas, por exemplo.
Fora
desses momentos formais, ande, pois, o estudante à vontade, com a gravata laça,
o botão desapertado, a batina e capa nas costas da cadeira, as mangas
arregaçada...........que ninguém tem nada a ver com isso, conquanto não seja
motivo de dolo para a corporação académica.
Importa
terminar, ainda assim, com o seguinte: esteja trajado a rigor ou em momento
informal, o facto de usar traje académico obriga-o ao respeito e cuidado que
deve ter para com o facto de aquele uniforme representar o foro académico. É a
imagem do estudante que está sempre em causa, pelo que deve assistir ao uso do
traje o devido civismo, brio e respeito pela sua circunstância, pela cultura de
que faz parte (e trajado representa genericamente), para além da sua própria
imagem como pessoa e cidadão.
U
exercício sadio da cidadania académica passa por saber ser e estar, de modo a
dignificar e valorizar, sempre, a cultura estudantil, a instituição em que se
insere e o próprio património histórico que constitui o traje académico[7].
[1] J.Pierre
Silva, in Tradições Académicas &
Praxe (Facebook), 02 de Novembro de 2016.
[2] idem.
[3] idem.
[4] Eduardo
Coelho, in Tradições Académicas &
Praxe (Facebook), 02 de Novembro de 2016.
[5] J.Pierre
Silva, in Tradições Académicas &
Praxe (Facebook), 02 de Novembro de 2016.
[6] Pelos
lados da FDUP, por exemplo.
[7]
Especialmente o Traje Nacional, parte do conjunto patrimonial reconhecido pela
UNESCO.
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